Vivan, Duda, Maycon e Thiago são alguns dos integrantes do movimento.
Vivan, Duda, Maycon e Thiago são alguns dos integrantes do movimento.Gerardo Santos

“Quem Vota Conta”: campanha dá voz aos brasileiros nas eleições municipais

Luso-brasileiro membro da Junta de Freguesia da Penha de França, em Lisboa, lidera ação para que mais imigrantes - especialmente os brasileiros - se recenseiem para votar nas eleições autárquicas.
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O sotaque até engana, mas o nome e a forma como luta para incluir a comunidade imigrante - especialmente os brasileiros - na sociedade portuguesa não deixam dúvidas sobre suas origens. Maycon Santos, 36, nascido em Paranavaí (PR), vive em Lisboa desde 2001 e hoje é um dos nomes luso-brasileiros envolvidos na política portuguesa. À frente do movimento “Quem Vota Conta”, ele tenta mobilizar os imigrantes a exercerem um direito ainda pouco conhecido: o de se recensearem (cadastrarem) para votar nas eleições autárquicas de 12 de outubro.

“Aquilo que despontou a criação desta plataforma online é que há muitas pessoas que não conhecem os seus direitos - e parte da comunidade brasileira é uma delas. Fizemos chegar já várias histórias de pessoas que não sabiam que tinham esse direito de poder votar, que bastava só ter dois anos de residência, havia também o mito de que perdiam o direito de votar no Brasil se votassem cá... ou seja, há alguma dificuldade de compreensão do imigrante de como é que funciona o sistema em Portugal”, diz Santos, membro eleito da Junta de Freguesia da Penha de França, em Lisboa, em entrevista ao DN Brasil.

Foi a partir desse diagnóstico que Maycon Santos e outros ativistas criaram a iniciativa, um movimento de base que vem alertando os imigrantes com pelo menos dois anos de residência legal que os mesmos podem votar nas eleições autárquicas. Para isso, no entanto, os imigrantes precisam estar recenseados - e o prazo para isso termina no dia 12 de agosto.

Desde que começou a campanha, Maycon e o grupo têm recolhido histórias que evidenciam a mencionada falta de informação e as barreiras muitas vezes impostas pelos próprios portugueses e que afastam os brasileiros das urnas. “Uma senhora foi à junta para se recensear e o funcionário respondeu que as eleições não eram naquele dia. Ela sabia disso, estava lá justamente para se registrar. Mas, por não usar a palavra ‘recenseamento’, criou-se um mal-entendido”, relembra.

Segundo ele, situações como essa mostram a importância de “empoderar com informação” uma comunidade que já soma mais de 22 mil pessoas só na cidade de Lisboa mas que, até agora, tem apenas 4 mil registradas para votar.

A iniciativa atua em duas frentes: de um lado, a orientação direta aos imigrantes, inclusive com envio de trechos da legislação que podem ser apresentados nas juntas de freguesia; do outro, o contato com entidades públicas como a Secretaria Geral da Administração Interna, para resolver possíveis entraves administrativos.

“Já houve casos em que precisamos intervir porque a junta de freguesia não aceitava o cadastro de alguém com a autorização de residência prorrogada por decreto. Fomos atrás do MAI, obtivemos a confirmação e só assim conseguimos fazer valer o direito da pessoa", relembra.

Além do impacto político, Maycon sublinha os efeitos práticos do recenseamento para quem fizer o cadastro no respectivo bairro onde mora. “Há atividades culturais e esportivas organizadas pelas juntas que são exclusivas ou dão desconto para residentes recenseados. Estar recenseado significa, também, ser prioridade no território onde se vive", explica.

Além de Maycon, a mobilização é liderada por diversos imigrantes brasileiros presentes na cultura de Lisboa e conhecidos do público do DN Brasil, como Duda Meireles, a Matuta, o grupo Espaço Baião e coletivos como o Patu Sambá, a Colombina Clandestina e o Instituto Brasil.

"Quis participar desta campanha porque, depois de tantos anos vivendo em Lisboa, entendi que ser imigrante é também ter voz", diz Duda Meireles. "Hoje, com uma vivência mais consciente e um sentimento de pertencimento, sinto que é hora de retribuir e compartilhar esse caminho com outros brasileiros, ajudando a construir uma comunidade mais informada, mais ativa e mais presente", complementa a mineira.

Além do foco na comunidade brasileira, a iniciativa também tem diálogo com outras nacionalidades. “Já ouvimos relatos de francesas e italianas enfrentando dificuldades semelhantes, outras nacionalidades também. Estamos a criar uma rede de empoderamento cívico”, diz.

Um brasileiro na autarquia lisboeta

A história de Maycon com a política portuguesa começa cedo. Desde a juventude, se envolveu com causas sociais, inspirado pela mãe. Foi vice-presidente de associação de estudantes, filiou-se à Juventude Socialista e, em 2017, foi eleito vogal na Junta de Freguesia da Penha de França. Está no segundo mandato e é atualmente o número 3 da lista (chapa no Brasil). Criou, na freguesia, o pelouro de Diversidade e Inclusão, como resposta direta à diversidade crescente do bairro.

Graduado em Ciência Política em Portugal e atualmente cursando Direito, Maycon acredita que conhecer as leis é essencial para defender direitos e atuar com eficácia no espaço público. É esse conhecimento que tenta traduzir agora em ação direta com o “Quem Vota Conta”, principalmente enquanto o prazo ainda está aberto.

“Se quiserem transformar a sua cidade, se quiserem ter impacto nos próximos quatro anos, este é o momento. Mas para usar a sua voz, há um pequeno passo a fazer antes: cadastrar-se para poder votar. Infelizmente o recensamento não é algo automático, por isso fazemos esse apelo” afirma.

Com o fim do prazo se aproximando, o grupo já projeta uma segunda fase da campanha, voltada à explicação do próprio sistema político português: o que é uma junta, o que é uma câmara municipal, quais os partidos, como funcionam as votações. Até lá, para Maycon, uma coisa é certa: os imigrantes brasileiros podem e devem ter impacto na sociedade portuguesa.

“Os brasileiros têm muito para contribuir e não só no trabalho e nos descontos para a segurança social. Mas sim com ideias, com presença, com participação. A política local pertence a todos que morem cá”, ressalta Maycon.

nuno.tibirica@dn.pt

Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 4 de agosto.
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