Bebê tem direito aos cuidados do SNS.
Bebê tem direito aos cuidados do SNS.Arquivo

Centro de saúde condiciona inscrição de bebê luso-brasileira à "atualização" do título de residência do pai

Lei garante prioridade na atribuição de um médico de família a crianças menores de dois anos, mas não fala em documentos exigidos para imigrantes.
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Helena acaba de completar dois meses de vida. Nasceu em Lisboa, já tem cartão de cidadã, Número de Identificação Fiscal (NIF), Número de Inscrição na Segurança Social (NISS) e número de utente do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No entanto, assim como muitos outros portugueses, não consegue a inscrição em um centro de saúde para ter o acompanhamento de um médico de família.

No caso desta bebê luso-brasileira, só a sobrecarga de pacientes das unidades do SNS não é a justificativa completa. O pai de Helena tentou inscrevê-la no mesmo centro onde está registrado e tem, inclusive, uma médica de família. No entanto, o procedimento foi condicionado à ter a sua autorização de residência válida. Na altura do contato com o centro, o documento que constava ainda era o primeiro, já vencido, mas, mesmo depois do envio da cópia do cartão renovado, o centro de saúde não confirma a inscrição da bebê.

"Procurei o meu centro de saúde justamente por ter uma médica de família, já que a minha esposa não tem um no dela, está inscrita em um diferente. Meu documento estava desatualizado, mas eu tenho autorização de residência válida, e isso não foi dito pessoalmente, quando estivemos lá, senão, obviamente, eu teria atualizado na hora. Fui informado apenas por email. Enviei a válida, mas não sei se atualizaram ou não porque não me responderam", conta Felipe Amarante ao DN Brasil.

"Deve primeiramente inscrever a menor junto da mãe e deve também atualizar a validade sua residência. Mais informamos que de momento a doutora já não tem capacidade para receber mais utentes. Após regularizar esta situação, entra para lista de espera", diz a resposta da USF Mosteiro, em Odivelas, enviada por e-mail ao pai de Helena e a qual o DN Brasil teve acesso.

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A falta de um centro de saúde para a bebê está fazendo com que a família tenha gastos que não estavam previstos. Pela aplicação da vacina BCG em Helena, que é gratuita para filhos de brasileiros pelo SNS, Felipe pagou 25 euros em um hospital particular. As doses das próximas vacinas já estão agendadas no mesmo hospital, também com custo pelo serviço.

O imigrante conseguiu fazer a renovação do título online, procedimento parado desde maio do ano passado. "Eu acho que fui uma das últimas levas de imigrantes a conseguir renovar o título de residência pela internet, com a renovação automática, não conheço mais ninguém que tenha conseguido. Todo mundo está com o documento vencido. É um absurdo, se levarem isso como prática, vai ser difícil", lamenta o brasileiro. O DN Brasil já questionou a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) sobre a situação.

Ao DN Brasil, a USF Mosteiro, que integra a Unidade de Saúde Local Loures-Odivelas, disse que, em casos em que há pedidos de inscrição na lista de médicos da família já lotados, "a Unidade apresenta como alternativa a inscrição na lista de outro médico com melhores perspetivas de integração de novos utentes. Foi, por isso, proposto ao utente que solicitasse a agregação familiar (utente e recém-nascida) na lista de outro Médico de Família, proposta essa que foi recusada".

Ainda de acordo com o centro de saúde, a lei "prevê que os recém-nascidos sejam inscritos na lista do Médico de Família dos pais, desde que tal não prejudique a organização das listas de utentes no respetivo Centro de Saúde, bem como os limites máximos da lista de utentes por médico de família. Face ao exposto, entende-se que a melhor opção será integrar a lista de utentes de outro médico de médico da unidade, conforme sugestão já apresentada e ao dispor, não obstante a filha do utente ter prioridade de inscrição (porque se trata de uma criança com idade inferior a 2 anos)".

No entanto, Felipe diz não ter sido sugerido outro médico no mesmo centro para a inscrição de Helena, tendo recebido unicamente a resposta que condicionava a lista de espera para a bebê à atualização da autorização de residência.

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O que diz a Lei?

De acordo com Despacho n.º 10440/2016, de 19 de Agosto, que "Regula a atribuição de médico de família aos recém-nascidos", a inscrição de bebês em centro de saúde e em listas de um médico de família deve ser feita "de forma automática" pelo hospital, logo após o nascimento, "na lista de utentes do médico de família da mãe e/ou pai, prevalecendo a da mãe, no caso dos pais se encontrarem inscritos em listas diferentes".

O mesmo despacho diz que, quando os pais não tiverem médicos de família, o bebê deve ser inscrito na lista de outro profissional e os pais devem agregados a esta logo que possível. Já de acordo com o artigo 10.º do Despacho n.º 1668/2023, de 2 de fevereiro de 2023, que trata da inscrição de utentes em médicos de família, o procedimento "deve respeitar os intervalos de dimensão da lista regulamentados, e realiza-se de acordo com a disponibilidade de vagas" onde o utente está inscrito.

Este despacho reforça prioridade de crianças de até dois anos para atribuição de um médico de família, "privilegiando a inscrição em agregado familiar, de forma a serem associados, preferencialmente, ao mesmo médico de família".

Em um estudo de caso recente, os centros de saúde foram apontados pelo imigrantes como o serviço público em que mais sentiram discriminação.

caroline.ribeiro@dn.pt

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.

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