Casal brasileiro ficou quatro dias sem saber do paradeiro das crianças.
Casal brasileiro ficou quatro dias sem saber do paradeiro das crianças.Instagram

Lei portuguesa prevê retirada de crianças do núcleo familiar sem aviso prévio

Desconhecimento por parte dos imigrantes sobre dinâmica que envolve proteção de menores em Portugal pode resultar em medidas drásticas, mas os trâmites devem respeitar direitos da criança e dos pais.
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A situação dos cariocas Carol Archangelo e Carlos Orleas, que vivem em Viseu, no centro de Portugal, e denunciam a retirada dos dois filhos menores de casa, sem aviso prévio, pela justiça do país, tem gerado comoção entre a comunidade brasileira imigrante. O caso ganhou repercussão entre figuras públicas, como a atriz Luana Piovani, que saiu em defesa do casal e sugeriu a realização de um protesto em Viseu para chamar a atenção das autoridades.

Portugal segue, assim como o Brasil, o princípio do superior interesse da criança, tendo uma legislação específica para a garantia dos direitos dos menores: a Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de setembro) autoriza e regulamenta as intervenções das autoridades sempre que "segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento" de uma criança estejam em risco.

"Em casos extremos e de perigo iminente, pode ser determinada a retirada da criança do convívio familiar sem aviso prévio — o que, legalmente, é admissível. No entanto, essa decisão deve ser fundamentada, proporcional e acompanhada de garantias de contraditório e acesso à informação pelos pais", explica ao DN Brasil a advogada Anna Luiza Pereira, brasileira que atua em Portugal na área do Direito Internacional da Família e na proteção de imigrantes.

Segundo a profissional, a surpresa de muitos brasileiros com a rapidez e severidade com que o Estado português pode atuar se dá pela diferença com os trâmites no Brasil. No país, geralmente, situações envolvendo o Conselho Tutelar se dão em contextos de maior vulnerabilidade socioeconômica, com intervenções mais lentas e pontuais.

De acordo com a advogada, é importante que pais e mães entendam a dinâmica de Portugal nesta área. "Quando a gente pensa em uma retirada de criança do convívio familiar, não vê isso numa classe média, numa classe alta. E aqui não é assim. Então, acho que a gente tem que mudar a forma de entender esse posicionamento do Poder Judiciário e da Comissão de Proteção à Criança aqui em relação a essas situações. Em Portugal, a abordagem é diferente: os critérios são mais técnicos, preventivos e psicossociais", argumenta Anna Luiza.

Desconhecimento prejudica imigrantes

A partir do momento em que há uma denúncia de situação de perigo - o que, de acordo com a Lei, pode ser feito por qualquer pessoa às "entidades com competência em matéria de infância ou juventude, às entidades policiais, às comissões de protecção ou às autoridades judiciárias" - a família vai ser acionada pelos organismos responsáveis para o início de um processo em que o "nível de escrutínio é profundo", diz a advogada, que pode envolver:

- Vistorias na residência (de ambos os pais caso sejam separados);

- Múltiplas entrevistas com técnicos, professores e profissionais de saúde;

- Avaliação detalhada da conduta dos pais e da interação com a criança;

- Relatórios psicológicos e clínicos, inclusive com sugestão de perícias psiquiátricas e toxicológicas.

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De acordo com a advogada Anna Luiza Pereira, "a não compreensão dessa dinâmica por parte das famílias migrantes pode resultar em medidas drásticas — inclusive a retirada da criança". No entanto, a especialista reforça que os trâmites devem respeitar, inclusive, as origens das famílias e garantir os direitos dos pais.

"A proteção da criança não pode acontecer à custa de violação do direito ao contraditório, da ausência de comunicação transparente ou da estigmatização cultural. É fundamental que o sistema acolha a diversidade, oriente as famílias e atue com equilíbrio. Pais e mães migrantes precisam ser informados sobre como o sistema português funciona, especialmente em situações de separação, conflito ou vulnerabilidade emocional dos filhos. Informação e mediação são ferramentas poderosas de prevenção", argumenta Anna Luiza.

Como agir

Segundo a brasileira, é importante destacar que as CPCJ "atuam com base em critérios culturais e legais portugueses — o que pode diferir significativamente das práticas no Brasil. Aqui, conflito familiar, exposição digital, saúde emocional e estabilidade da rotina são levados muito a sério. Pais estrangeiros muitas vezes não percebem que certos comportamentos considerados comuns no país de origem podem ser entendidos como fatores de risco em Portugal".

De acordo com a advogada, caso uma família seja contactada por uma CPCJ deve procurar:

- Não entrar em pânico: "receber contato da CPCJ não significa que perderá seu filho";

- Colaborar com os técnicos: "forneça documentos e participe das reuniões";

- Buscar orientação jurídica: "especialmente se tiver dúvidas sobre os seus direitos";

- Mostrar disposição: "para mudar e proteger o bem-estar da criança";

- Apoio jurídico: "se não tiver condições financeiras, pode solicitar apoio jurídico junto da Ordem dos Advogados".

Caso seja determinada a retirada do menor de casa pelo Estado português, os pais:

- Têm o direito de ser informados sobre a autoridade responsável pela retirada (CPCJ ou Tribunal), o motivo alegado para a medida e o local onde a criança se encontra (família de acolhimento ou uma instituição);

- Podem exigir acesso ao processo e direito ao contraditório;

- Podem apresentar a sua versão dos fatos;

- Podem solicitar reavaliação das condições familiares, com novas provas e testemunhos;

- Podem solicitar a revisão da medida aplicada.

No caso dos imigrantes, a advogada orienta, ainda, procurar o consulado do país de origem. Existem três representações do Brasil em Portugal: em Lisboa, Porto e Faro, cada um responsável por uma área do país.

No acordo em que é definida a aplicação da medida, a lei determina que também devem estar assegurados "os direitos e os deveres dos intervenientes, nomeadamente a periodicidade das visitas por parte da família".

caroline.ribeiro@dn.pt

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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