Aulas são gratuitas e preparam para a prova do Encceja.
Aulas são gratuitas e preparam para a prova do Encceja.Foto: Gerardo Santos

Crônica. “Boa tarde, senhora professora”

"Lembrei-me dos diversos profissionais que encontrei ao longo dos estudos e o quanto foram lugar de acolhimento, validação e estímulo".
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Texto: Cristina Fontenele*

Há períodos em que a vida nos convida a colaborar com algo maior, a encaixar na rotina apertada uma atividade cujo foco não seja sobre nós mesmos. Pode ser participar de um projeto social, doar o tempo para ações beneficentes ou colocar os conhecimentos a serviço. É aquele momento em que paramos para avaliar: “Como posso contribuir mais para a sociedade?”; “Consigo me comprometer e ter consistência?”. A aposta, como em geral relatam os voluntários, traz surpresas maravilhosas.

Por caminhos inesperados, recebi o chamado para ministrar aulas de Português e redação em um curso para brasileiros. Aceitei, não sem uma dose de ansiedade pelo desafio e expectativas pelas partilhas vindouras. Já realizei a primeira aula e posso dizer que foi emocionante.

Logo ao buscar a chave da sala, no ponto de apoio da universidade, fui saudada pelos funcionários com “Boa tarde, senhora professora”. Respondi o cumprimento e segui com um sorriso no rosto. Voltei às memórias de criança, quando um dia pensei em ser professora de Português, minha matéria preferida desde sempre. 

Lembrei-me dos diversos profissionais que encontrei ao longo dos estudos e o quanto foram lugar de acolhimento, validação e estímulo. Um elogio era capaz de iluminar o dia e os sonhos de quem ainda pelejaria muito com a realidade. Para mim, a escola foi respiro-casulo-inspiração. 

Anos depois, ser chamada de professora evocou um misto de sentimentos. Honra, espanto e toda uma gratidão aos que me ensinaram a ler o mundo e a amar as palavras. Somos fruto de uma série de educadores que passaram pela nossa trajetória estudantil. Guardo alguns nomes com muito carinho e respeito e, vez por outra, recordo conselhos que me guiam até hoje.

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Atuar com educação é um serviço nobre, transformador e de grande responsabilidade. Embora exista quem não acredite mais nisso (entre pessoas e instituições), a cada escrita de texto, curso concluído, apresentação realizada, levo comigo as lições e exemplos de que sim, estudar nos modifica, expande nossa mentalidade e influencia nosso entorno.

Na pequena turma de brasileiros que iniciou o curso é perceptível a força de vontade. Existe quem percorre 160 km diários para estar em sala de aula; outros passam o dia no trabalho e, mesmo cansados, prolongam a jornada para estar ali, presentes, a interagir e aprender. São mães, pais, jovens imigrantes com muita vivência, mas que querem seguir evoluindo. Ingressar na faculdade, alcançar sonhos, proporcionar melhores condições para a família e crescer profissionalmente são alguns dos objetivos.

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Muitas histórias fascinantes, comuns, de brasileiros que emigraram por diversos motivos e que continuam em movimento - de vida, de propósito, de anseios. O curso em questão é um serviço gratuito que existe há quinze anos em Portugal, sendo conduzido por voluntários. Alguns professores ensinam desde o começo do programa, confirmando o tamanho apreço pela arte de educar. Preparam brasileiros que vivem no exterior, no caso em Lisboa, para o Encceja, que é o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos. 

A prova é direcionada àqueles que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos em idade própria e que, dessa forma, conseguem obter o certificado de conclusão do ensino médio. Uma conquista que abre portas e traz um sentimento de realização.

Voltar aos estudos requer perseverança, disciplina e saber que vamos abrir mão da comodidade. Dá trabalho concretizar planos. É uma trilha tortuosa e íngreme. No meio do trajeto ocorrem algumas desistências (cada um sabe o seu porquê), mas é recompensador quando olhamos para trás e nos deparamos com aquele desenho, quase uma pintura abstrata, de pequenos passos contínuos a riscar o chão.

*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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