Crônica. O melhor das pessoas
Foto: Ryoji Iwata

Crônica. O melhor das pessoas

"Quando olhamos para uma pessoa, o primeiro tipo de pensamento que vem à mente é de julgamento ou de curiosidade?"
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Texto: Cristina Fontenele*

“A gente precisa chamar o melhor das pessoas”, me disse o colega escritor com quem tenho convivido na última semana devido a uma série de eventos literários. Ele, um conversador nato, interage fácil com os mais diversos públicos diminuindo com habilidade os muros invisíveis que se interpõem nos diálogos entre desconhecidos. Com leveza e bom humor, vai semeando boas palavras pelo caminho.

A frase - “A gente precisa chamar o melhor das pessoas” - é um válido lembrete de como podemos enxergar mais pelo filtro da compaixão. Quando olhamos para uma pessoa, o primeiro tipo de pensamento que vem à mente é de julgamento ou de curiosidade?

É que, às vezes, nem dá tempo do outro se apresentar e já recebe nossa etiqueta invisível de “bom” ou “ruim”, de “aceito conviver” ou “melhor evitar”.

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Não simpatizamos com todo mundo, mas cultivar uma noção positiva sobre o outro é educar-se pela régua da generosidade, o que resulta em saúde e bem-estar para nós mesmos. Já reparou como pessoas indispostas têm o hábito de criticar com rapidez, constância e facilidade? É um hábito e, como tal, também é possível revertê-lo com a devida prática.

E se, para cada sentença negativa sobre alguém, encontrarmos um aspecto a ser elogiado? Não precisa ser sempre em voz alta. O discurso interno bem direcionado é capaz de reprogramar nosso cérebro e, em sequência, nossos sentimentos e atitudes.

Vivemos tempos de ânimos acirrados, por medo, por cautela, por revide. Em uma convivência tão delicada no quesito imigração, imaginar que o outro está fazendo o melhor que pode, nos ajuda a não tomar o todo apenas pela parte. Aquela parte que se incomoda com qualquer abalo ao suposto mito da nação pura e original. A porção que costuma usar verbos como “salvar”, “resgatar”, “libertar”, como se existissem duas forças contrárias a puxar uma corda - de um lado os cavaleiros do bem e do outro a ameaça fatal.

Como reza o ditado, é preferível “evitar fadiga”. Para quê se aborrecer sem necessidade e gastar tempo e energia em tentar convencer, ter razão, ou parecer perfeito? Não seria mais razoável pensar que, diante de nós, também existem pessoas com sonhos, frustrações, alguém que precisa encontrar melhores exemplos para agir de uma nova maneira?

Assim tem procedido uma amiga brasileira que recém ingressou no curso de História, em uma universidade lisboeta. Ela me relatou que, se antes, respondia a todo e qualquer comentário de forma impulsiva, agora tem elaborado melhor as falas e discernido quando vale a pena ser mais incisiva. Aprendizado que veio após alguns anos de cansaço e motivado pelas novas interações estudantis.

Há situações em que é preciso ser firme e defender seus direitos. Entretanto, minha amiga vem buscando ponderar o que ouve e o que replica, escolhendo com sabedoria suas pelejas. Quando percebe que não é o momento de insistir, resguarda-se para um futuro colóquio. Com isso, descobriu que ganhou paz de espírito, diminuiu a ansiedade e aumentou a empatia.

Quem sabe se, de tanto chamarmos o melhor dos outros, como sugeriu meu colega escritor, atenda já na primeira tentativa o melhor de nós também.

*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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