Isabel Lorch, responsável pelas parcerias estratégicas, e diretora Soraya Ventura.
Isabel Lorch, responsável pelas parcerias estratégicas, e diretora Soraya Ventura.Foto: Reinaldo Rodrigues

Brasileiras estão à frente do escritório do ACNUR em Portugal

O DN Brasil conversou com a diretora Soraya Ventura e Isabel Lorch, responsável pelas parcerias estratégicas. As imigrantes têm a missão de liderar a fundação que tem como objetivo sensibilizar e angariar fundos para apoio aos programas de ajuda humanitária da ONU.
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A resposta para crises humanitárias sem fim pelo mundo só são possíveis graças a doações de pessoas em Portugal, no Brasil e em outros países no mundo. E, em Portugal, as responsáveis por garantir que exista dinheiro para ajudar os refugiados são brasileiras. Soraya Ventura é a diretora-geral da fundação Portugal com ACNUR, o parceiro nacional da Agência das Nações Unidas para os Refugiados, e Isabel Lorch Roch é a responsável pelas alianças estratégicas para arrecadação dos recursos.

Enquanto brasileiras à frente da fundação em Portugal, as imigrantes refletem sobre como isso impacta no trabalho. “Eu não penso sobre a representatividade em si, apesar de ser muito importante. Quando meu pai fala para mim, por exemplo, as sobrinhas, elas olham para você e falam, olha, minha tia brasileira está trabalhando na Europa nesse cargo. E daí eu penso, ah, é verdade. E, se de alguma forma eu somo, eu dou um pouco de esperança, talvez, para as pessoas que querem trabalhar e terem outros cargos um pouco mais altos em outros países e são de outras nacionalidades. Não só os brasileiros, os angolanos, os moçambicanos, as pessoas de língua portuguesa, de qualquer nacionalidade”, ressalta Soraya.

Para Isabel, é um privilégio. “Pensando em nós enquanto brasileiras, e considerando a nossa trajetória, podermos estar trabalhando em uma organização como o ACNUR eu acho que, primeiro, é uma sensação de privilégio muito grande da gente ter a oportunidade de contribuir com o nosso expertise, com toda uma trajetória, todo um trabalho que desenvolvemos voltado para a promoção de direitos humanos”, afirma Isabel. “Enquanto imigrante em Portugal, eu acho que existe uma camada adicional, uma posição estratégica como essa nos coloca, que é de conseguirmos abrir espaços”, complementa.

O escritório em Lisboa é relativamente recente: foi criado em 2021, sendo que o ACNUR completa 75 anos em breve. “Como a fundação é quase uma startup, porque ela começa do zero e vem vindo como um bebê, engatinhando. É bonito também de ver crescer, é bonito formar parte desse crescimento e fazer parte desse crescimento. Aqui, a gente vem também com o desafio que, em Portugal, as pessoas não conhecem tanto o ACNUR”, diz ao DN Brasil.

Este é um dos principais desafios: fazer com que as atividades sejam conhecidas para que mais pessoas se interessem por doar. “Eu faço articulação com empresas, fundações e institutos, também com autarquias e grandes doadores, grandes doadores individuais. E eu acho que o grande, vou falar desafio, mas não é exatamente a palavra, o gancho do trabalho é conseguir gerar essa percepção junto a esses muitos stakeholders, esses muitos potenciais parceiros, sobre a importância de agirem de forma solidária com quem está enfrentando dificuldades imensas”, explica Isabel.

Segundo as responsáveis, o contexto financeiro é de dificuldades: cortes de recursos num momento em que as crises humanitárias são sem fim. “No nosso dia a dia realmente nós fazemos três, quatro áreas de trabalho em um, mas é com muito carinho, muito comprometimento e muita vontade de fazer da vida das pessoas deslocadas à força, da vida dessas pessoas que precisam de um pouco mais de dignidade para viver como elas viviam, como nós vivemos, um lugar melhor para estar”, destaca. Em 2024, apenas 30% do orçamento global necessário tinha sido arrecadado até metade do ano. A ONU estima que, neste momento, mais de 122 milhões de pessoas estão deslocadas de casa de forma forçada. “Eu falo 122 milhões de pessoas e esse número sai da minha boca como se eu estivesse bebendo um copo d'água. E não é isso que eu quero. Então, se a gente pensar que Portugal tem um pouco mais de 10 milhões de pessoas, nós estamos falando de mais de 12 portugais. 12 portugais de pessoas deslocadas à força. Não estou falando de qualquer coisa. Estou falando, provavelmente, do país invisível que mais cresce nesse mundo”, contextualiza Soraya.

Deste número, mais da metade são mulheres e cerca de 40% são crianças. “Crianças e mulheres não começam nenhum conflito, nenhuma guerra. Ou seja, são pessoas que estão (...) sem nada, sem ajuda, sem ter começado crise, sem ter começado guerra, tendo que fugir”, pontua a diretora. A vulnerabilidade de gênero é agravada em contextos de deslocação forçada - violência de gênero, exclusão educativa, cuidados de saúde precários.

Estas pessoas tiveram que fugir e deixar para trás tudo, por contextos diversos: guerras, catástrofes climáticas e outros conflitos, às vezes todos ao mesmo tempo, como aconteceu em Moçambique. “Por exemplo, quando eu estava em Moçambique, teve a crise de que tudo lá em Cabo Delgado foi queimado, decapitado, as pessoas na vila, cinco dias depois, veio o ciclone Daniel, alagou tudo, ou seja, uma pessoa que já estava numa crise, veio a outra crise, e agora vem uma crise financeira para contribuir para o que já estava destruído, já estava ruim, ou seja, o financiamento é mais do que necessário nesse momento”, ressalta a brasileira.

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De acordo com Isabel, são várias as maneiras de ajudar estas pessoas: com doações pontuais, com doações regulares, no valor de 12 euros por mês, por exemplo, ou em grandes doações, especialmente de empresas parceiras, que conseguem deduções fiscais nas doações. No site da agência estes valores são traduzidos em ajuda real. Por exemplo, a doação de 15 euros por mês garante acesso à educação de nove crianças durante o período de um ano. A doação de 10 euros por mês fornece agua potável para 10 refugiados durante um mês e 25 euros asseguram os cuidados de saúde para 15 pessoas durante um ano. Os países que acolhem o maior número de refugiados incluem Turquia, com 3,5 milhões, Irã , com 3,4 milhões, Colômbia (2,5 milhões), Alemanha (2,1 milhões) e Uganda (1,6 milhões). Paquistão, Etiópia e Polônia também figuram entre os 10 primeiros.

A entrevista pode ser assista no canal do DN Brasil no Youtube.
A entrevista pode ser assista no canal do DN Brasil no Youtube.Foto: Reinaldo Rodrigues

O exercício proposto pelas brasileiras é de se colocar no outro do outro. “Nós estamos tão acostumados a chegar em casa, acender a luz, lavar a mão, água quentinha, ter a comida, abrir a geladeira, a gente nem pensa, porque é tão automático, pensa não ter isso no dia seguinte, estar numa tenda, não tem luz, tem que esperar ali com a lâmpada solar, porque alguém te ajudou e tem alguém pagando 12 euros mensais”, destaca a diretora.

Soraya ressalta que as pessoas não precisam ter medo da destinação do dinheiro, porque o processo é transparente. “Basta entrar no nosso site e ir na página de transparência a ONU, que tem uma parte rigorosa de auditoria e nós, o ACNUR, temos que passar por essa auditoria tantas vezes no ano e cada centavo que é enviado para cada programa internacional está explicado tá na nossa página, esse dinheiro não vai para nenhum lugar se não para as pessoas que precisam receber esse dinheiro”, argumenta. Algumas destas emergências hoje são realizadas em Moçambique, Ucrânia, Afeganistão, Sudão e Sudão do Sul. A grande maioria das pessoas refugiadas (cerca de 73%) foi acolhida em países de baixos ou médios rendimentos, e 67% permanecem em países vizinhos aos seus países de origem. Muitos vivem em campos de acolhimento ou nas comunidades que os hospedam, sem condições seguras ou futuro garantido.

Além da arrecadação de fundos, outra missão é a de sensibilizar as pessoas para a causa. “Muitas empresas têm horas de formação para serem dadas e a gente pode dar também é nessa área. Não só na parte de explicar a diferença entre um imigrante e um refugiado, ou falar um pouco do contexto internacional, das crises (...) E, ao mesmo tempo, a empresa, os funcionários, os colaboradores, também aprendem. Isso é muito importante no contexto que nós vivemos, de entender”, ressaltam.

E este trabalho pode ser feito por todas as pessoas, com solidariedade e acolhimento, mesmo através de palavras. “Quando você conhecer uma pessoa refugiada, integra ela, integra no seu dia a dia, integra na escola o amiguinho do seu filho, tenta conhecer quem é essa pessoa, o que ela faz da vida dela, conversa com ela, dá um pouco de carinho, de dignidade, ela perdeu tudo ela não está aqui porque ela escolheu porque ser refugiado não é uma escolha”, explica a diretora.

Uma vez que o trabalho em Portugal é relativamente recente, as brasileiras deixam o convite para que as pessoas conheçam mais sobre o trabalho do ACNUR. “A gente convida todo mundo a conhecer mais sobre o trabalho da Portugal com ACNUR visitando o nosso site. Estamos completamente abertos a conversar e pensar em possibilidades de ir a escolas, ir a empresas fazer sensibilizações, as pessoas que conhecem o nosso trabalho e que têm interesse em apoiar as emergências em curso ao redor do mundo, podem se tornar doadores pontuais ou doadores regulares”, explica Isabel. Ela reforça a importância desta atitude. “Assim, podem nos ajudar a disseminar a causa compartilhar sobre o nosso trabalho, acompanhar o nosso trabalho nas redes sociais e, enfim, se comprometer a trazer visibilidade para a questão dos refugiados que infelizmente não tem nenhuma previsão de ser resolvida no curto prazo”, complementa Isabel.

É possível fazer doações através do site ou por MBWAY no número 911 060 339. Já as entidades que se queiram juntar à resposta humanitária podem enviar um e-mail para aliancas@pacnur.org. Pedidos para ações de sensibilização nas suas comunidades, escolas, universidades, como workshops e ações adaptadas para diferentes faixas etárias podem ser solicitados no e-mail sensibilizar@pacnur.org.

Assista a entrevista na íntegra:

amanda.lima@dn.pt

Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 11 de agosto de 2025.
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