Artistas brasileiros nos festivais de verão: uma combinação "que tem tudo a ver"
Não foi no Meo Kalorama, realizado em Lisboa no último fim de semana e que deu o pontapé inicial para os festivais de verão em Portugal, que os brasileiros começaram - literalmente - a dar shows nos palcos lusitanos, mas que de agora em diante o farão na temporada mais quente do ano, isso é uma certeza. “Os brasileiros - e os músicos da lusofonia como um todo - têm tudo a ver com o verão”, afirma ao DN Brasil o português Luís Montez, diretor do Festival Jardins do Marquês, um dos muitos eventos que têm, entre os principais destaques da programação, justamente artistas brasileiros.
Tradição incontornável da temporada de calor em Portugal, os festivais de verão são “uma cena” na terrinha desde os anos 1990. O conceito conquistou o coração dos portugueses e dos estrangeiros que visitam o país entre junho e setembro, a ponto de muitos tirarem férias no trabalho só para acompanhar os seus festivais favoritos.
Com uma dimensão territorial equivalente ao estado do Espírito Santo no Brasil, Portugal favorece deslocamentos rápidos por todo o país, de norte a sul, com festivais que se espalham por praias, vilas e cidades maiores. Em tempos de calor e barraca às costas, não é raro ver grupos de jovens pegando boleia - ou carona - atrás de música ao vivo, comida e vida ao ar livre. E entre os nomes que marcam presença nestes palcos, os brasileiros são cada vez mais numerosos e diversos.
Do MPB ao funk
A produtora Música no Coração, de Luís Montez, está por trás de eventos com perfis muito distintos, como o Jardins do Marquês, que começa já no próximo sábado (28) e o Sumol Summer Fest (4 e 5 de julho). Ambos têm em comum a presença forte de músicos brasileiros - mas são também um bom retrato da variedade de estilos e públicos que esses artistas atingem.
A dualidade mostra como o Brasil musical dialoga com públicos variados - e como a curadoria dos festivais tem sabido explorar essas diferentes frentes. De Simone a Cabelinho, passando por Aline Paes, MC Luuky ou os Paralamas do Sucesso, há um pedaço do Brasil para cada tipo de ouvinte.
No Jardins do Marquês, que chega à sua sexta edição em 2025, o Brasil está representado em várias frentes, segundo o diretor do evento. “O jardim é lindo, cheio de gente, tem comida, bebida e divertimento, está calor... tudo que combina com música brasileira”, resume Montez, que descreve o ambiente como ideal para noites com sotaque tropical.
Com programação até o dia 9 de julho, o festival terá, no total, cinco atrações brasileiras neste ano, com Simone, uma parceira antiga do evento, além de Rogê, Aline Paes e grupos clássicos como e Detonautas e Paralamas do Sucesso, desejo antigo de Montez.
“Os Paralamas andei antes a tentar trazer por diversos anos, e conseguimos desta vez. Eles têm um repertório que os portugueses conhecem. Ainda por cima, os Delfins [banda portuguesa] chegou a fazer uma versão muito popular, e eles são os autores." conta, antecipando o que espera da banda de Herbert Vianna. "Vai ser um showzaço”.
Já Simone se apresenta ao lado de Rogê e da cantora Aline Paes, que fará sua estreia diante do público português. “A Marisa Monte que me recomendou a Aline. Ela vai se apresentar ao público português pela primeira vez aqui no Jardins do Marquês”, conta Montez, destacando o compromisso do festival com a renovação e o clássico. “Todos os anos damos lugar a artistas muito reconhecidos, como é o caso dos Paralamas ou dos Detonautas, e também damos espaço a novos talentos. É um pouco do perfil do festival fazer essa mescla.”
Segundo ele, o Jardins do Marquês nasceu com essa vocação, voltado ao público português mais adulto e a comunidade lusófona na região de Lisboa. “Eu faço vários festivais com público mais jovem, aqui o conceito é mais virado para um público adulto. Também com o aumento da presença lusófona em Lisboa, e em Oeiras também, sentimos que fazia sentido criar algo voltado à lusofonia. Aliás, a própria Câmara de Oeiras tem uma relação forte com esse universo”, sublinha.
No Sumol Summer Fest, marcado para o início de julho e que acontece na Costa da Caparica, os ritmos brasileiros seguem presentes, mas por outros caminhos. O funk, o trap e o hip hop atravessaram o Atlântico e dominaram o gosto da juventude portuguesa - algo que o festival soube ouvir. Mariana Montez, responsável pela curadoria, explica que o som que vem do Brasil tem cada vez mais peso na programação.
“O funk, o trap, o hip-hop brasileiro cresceu de tal forma entre os jovens portugueses que o peso destes estilos vindos do Brasil começa a representar um peso quase tão grande como o americano, que era o que nós estávamos mais habituados”, diz.
Em 2025, MC Luuky e Cabelinho são os nomes brasileiros em destaque. “O MC Luuky foi uma aposta muito cedo que nós fizemos. Malvadinho teve muita força aqui em Portugal, era um funk alegre de verão. Já o Cabelinho, que vai fechar a primeira noite, veio com a sua label e é o maior nome dela. Apostamos muito nele”, explica Mariana.
Amado por um, marginalizados por outros, inclusive brasileiros, ela explica que o funk, assim como a maioria dos gêneros musicais, é um estilo que tem abertura como outros tantos por parte dos festivais da Música no Coração. “Tem espaço para tudo”, afirma. “Tanto estamos a fazer o Cabelinho e o MC Luuky, como no Jardins do Marquês estamos a fazer Simone, os Paralamas do Sucesso. Todos os gêneros têm lugar", pontua.
Mariana reforça ainda a importância de pensar na diversidade do público em Portugal, país que nas últimas décadas se notabilizou pela abertura de portas aos imigrantes. “A aceitação desses estilos é muito grande entre os jovens portugueses, mas também entre a diáspora brasileira e africana, que tem muita afinidade. E com cada vez mais público brasileiro a viver aqui, sobretudo em Lisboa e margem sul, esse diálogo torna-se natural. Sendo ali na Costa, com praia e campismo, é um festival que é mesmo para todos”, explica.
Se há outro festival onde os brasileiros sempre estiveram, é o Festival Músicas do Mundo (FMM), que chega este ano à 25ª edição em Porto Covo e Sines entre 18 e 26 de julho. Desde os anos 2000, a programação inclui nomes do Brasil com frequência e destaque.
“Nestes 25 anos, houve mais de 45 shows com artistas do Brasil”, diz Carlos Seixas, diretor do festival, que recorda de nomes como Tom Zé, Hermeto Pascoal, Cordel do Fogo Encantado, Chico César, Bixiga 70, Dona Onete, Emicida, Letrux e Céu. "Eu tenho todos os artistas brasileiros que tocaram no FMM anotados", sublinha o diretor, que há um quarto de século comanda a programação do festival que nos últimos anos teve a presença de novos nomes da música brasileira, como Ana Frango Elétrico e Marina Sena.
“Desde o início, o festival assumiu o compromisso de mostrar músicas que não estão nos centros de poder da indústria. E a música brasileira, com a sua inventividade, está entre as maiores do mundo", entende Seixas.
Em 2025, o festival recebe três atrações brasileiras: Gabriele Leite, jovem violonista já premiada no Brasil, Luca Argel, músico brasileiro radicado em Portugal, e Bia Ferreira, que participou deste e de outros tantos festivais na terrinha, agora com formação em quarteto. Mas o grande destaque será o aguardado show da banda Nação Zumbi, celebrando os 30 anos do disco Da Lama ao Caos. “Há muito tempo queríamos trazê-los. Aproveitamos esta turnê europeia. Vai ser um momento especial, é a mesma formação desde a criação da banda com o Chico Science”, antecipa Seixas.
Para ele, a ligação do FMM com o Brasil é estrutural. Focado em trazer bandas de países periféricos, os organizadores veem no Brasil um dos pilares do festival: “Basicamente, os brasileiros fazem parte também da história do Festival de Músicas do Mundo. Afinal, sendo um festival de músicas do mundo, não podia ser o contrário. O Brasil, com tanta história, tanta cultura tinha que estar aqui"
Festivais do Brasil em Portugal
Mesmo não tendo uma tradição forte em festivais como nos países europeus, o Brasil, além de artistas, também tem exportado alguns dos seus principais eventos para Portugal. Um dos exemplos é o Coala Festival, criado em 2014 em São Paulo com o objetivo de dar palco à nova música brasileira. Desde o ano passado, o festival já teve duas edições em Portugal, ambas no Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais.
Neste ano, a edição portuguesa do Coala atraiu dezenas de milhares de pessoas com shows de Ney Matogrosso, Criolo e Liniker. Com foco na música brasileira e na lusofonia, o Coala tem ajudado a consolidar um intercâmbio cultural entre Brasil, Portugal e África.
Outro exemplo mais clássico é o Rock in Rio. A versão lisboeta do festival é realizada a cada dois anos na capital portuguesa e está confirmada para 2026. Mesmo fora da agenda de 2025, o evento continua sendo uma das maiores vitrines da música brasileira no exterior, com edições que já receberam Ivete Sangalo (nome incontornável do evento), Gilberto Gil, Iza e Anitta.
Já o MIMO Festival, criado por Lú Araújo e nascido na Bahia, também conquistou espaço fixo na Europa. Com mais de 20 anos de história, o evento realiza sua sexta edição em Amarante, cidade do norte de Portugal. Em 2024, reuniu 70 mil pessoas com entrada gratuita e uma programação plural, com artistas de 13 países, com destaque aos vindos do Brasil.
A edição de 2025 acontece na mesma época do FMM, entre os dias 19 e 21 de julho e inclui, entre os brasileiros confirmados, Juliana Linhares, Mocofaia, Natascha Falcão e o grupo carioca Casuarina. Mais uma mostra que, assim como noutras áreas da sociedade, os brasileiros em Portugal, também na cultura, estão em todos os lados.
nuno.tibirica@dn.pt