Acesso a medicamento que previne HIV segue difícil para imigrantes em Portugal, aponta pesquisador brasileiro
O acesso ao medicamento que previne a infecção pelo vírus HIV continua sendo um problema que imigrantes enfrentam na área da saúde em Portugal, mesmo depois da implementação de mudanças que deveriam facilitar o processo. Quem analisa este cenário é o pesquisador e professor da universidade King’s College London Fabio Serrato, paranaense que estuda o acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP) entre brasileiros gays e bissexuais em Lisboa.
Fabio conduz uma pesquisa no âmbito do doutorado em Geografia na instituição britânica e entrevistou 62 pessoas. Destas, estão incluídas os utilizadores da PrEP, membros e ex-representantes do Governo, profissionais envolvidos nas políticas de prevenção ao HIV em Portugal, ativistas e profissionais da saúde.
De acordo com o pesquisador, existe uma "infraestrutura de violência" para o acesso ao medicamento, explica ao DN Brasil. "As pessoas chegavam ao hospital e perguntavam sobre a PrEP, mas ninguém sabia do que se tratava. Outro caso, a pessoa mudava de endereço, mas não conseguia mudar o hospital em que estava referenciado, então levava duas horas de transporte público para conseguir ir buscar o medicamento", explica.
Ele também viu situações que dificultam o acesso. "Houve casos de hospitais que deram a PrEP em doses fracionadas, às vezes apenas para sete ou dez dias, então a pessoa tinha que ir buscar muitas vezes, em horários que não condiziam com os horários de trabalho. São questões em meio à estrutura da saúde que dificultam o acesso à PreP", destaca.
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No caso dos brasileiros, existem camadas extras de dificuldade. "Muitas vezes as regras de imigração mudam tanto que fazem com que o imigrante fique indocumentado. Com isso, pode ter dificuldades a mais, como não conseguir o número de utente do SNS. Além disso, os estigmas são múltiplos. Por exemplo, tive alguns médicos que falaram 'é, mas os brasileiros têm certos comportamentos e querem PrEP'. Há ainda estigmas gerais sobre o HIV e a medicação, é uma intersecção de todos eles", analisa o pesquisador.
A PrEP consiste na toma de medicamentos, por pessoas que possam ter contatos considerados de risco, para prevenir uma infecção pelo vírus HIV. É um método com eficácia cientificamente comprovada e adotado como política de saúde pública em vários países, como o Brasil. Em Portugal, o acesso à PrEP foi instituído em 2018, quando o medicamento passou a ser disponibilizado por hospitais de referência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
No ano passado, houve a publicação de uma nova norma para promover a expansão da oferta. A PrEP passou a poder ser distribuída também diretamente nos centros de saúde, organizações comunitárias, e prescrita por médicos de outras especialidades, não apenas os infectologistas, mas estas mudanças "ainda estão acontecendo", diz Fabio.
Mas ainda são necessários ajustes. "No papel, as mudanças que teriam que ser feitas foram feitas. Por exemplo, a Infarmed teve que mudar o estatuto do medicamento, para ele poder ser fornecido fora dos hospitais, houve a atualização do software, para que todos os médicos agora possam prescrever, então a estrutura está ok, mas eu conversei com algumas ONGs que falaram que tem que fazer acordos ainda para na prática conseguirem a medicação", explica.
Além disso, o brasileiro destaca que este alargamento da política, que considera positivo, foi atrelado a um custo associado. "Nos hospitais de referência, a PrEP é totalmente gratuita, mas a despensa em outros locais passou a ter a cobrança de uma taxa moderadora de 12 euros. Isso pode representar uma dificuldade a mais para algumas pessoas", afirma.
Preocupação
O mais recente relatório de infecções por HIV em Portugal, publicado pela Direção-Geral da Saúde (DGS) em novembro de 2024, traz notícias preocupantes, avalia o pesquisador. Apesar de o documento apontar que o número de novos diagnósticos está em declínio, o pesquisador analisa que "as comunidades migrantes tornaram-se mais vulneráveis", explica.
"Em 2023, pela primeira vez, a maioria dos novos diagnósticos ocorreu em pessoas não nascidas em Portugal, representando 53,1% dos 876 novos diagnósticos. Além disso, a taxa de novos casos de HIV em Portugal é alta quando comparada à média dos países da União Europeia", afirma o pesquisador.
Para Fábio, os resultados de sua pesquisa e o cenário atual reforçam a importância das organizações comunitárias. "Muitas vezes, elas foram a ponte entre imigrantes brasileiros que entrevistei e serviços que oferecem PrEP. De fato, alguns médicos que trabalham em hospitais me disseram que essa foi a principal forma de encaminhamento para PrEP. Ainda, de acordo com a DGS, em 2023 as ONGs/Organizações de Base Comunitária foram responsáveis por 76,9% dos testes de HIV. Antes da expansão da PrEP, essas organizações podiam fazer testes e encaminhar os interessados para a fila de espera dos hospitais", explica pesquisador, que espera que, em breve, haja plenas condições para que as ONGs possam prescrever e disponibilizar a PrEP ao seu público alvo.
De acordo com o especialista, é preciso apostar também em mais comunicação e educação sobre o tema para a população em geral, fora de ambientes clínicos. "Uma ação interessante seriam mensagens em locais de grande circulação de pessoas, como estações de metrô e outros transportes públicos, dizendo que existe uma pílula que previne o HIV, orientando as pessoas a perguntarem ao médico do centro de saúde, e também com um QR code para um site com mais informações de como acessar o serviço", sugere o pesquisador.
Fabio destaca ainda que está aberto a colaborações em projetos com o Governo, ONGs e universidades, porque "as vozes dos brasileiros precisam ser ouvidas para a implementação de políticas públicas de saúde, o que refletiria em benefícios para todos os que residem em Portugal".
caroline.ribeiro@dn.pt