Duas celebrações, muitas questões. O que é ser uma mãe brasileira em Portugal?
"Vamos negociar uma noite de sono. Oito horas pelo menos!".
É assim que a paulista Carol Thomé brinca com o marido, Rui, quando pergunto qual será o presente que as gêmeas Malu e Alice, de cinco meses, preparam para a "mamã" neste primeiro domingo de maio. É quando se comemora o Dia da Mãe em Portugal e também o primeiro de Carol com a dupla fora da barriga.
A data lusitana vem assim mesmo, no singular. A adaptação à falta do plural gramatical é apenas um dos muitos pratos que brasileiras que exercem a maternidade fora do país de origem precisam equilibrar.
"Eu achava que a coisa mais difícil que já tinha feito na minha vida tinha sido emigrar. Tô aqui há quase 10 anos. Quando comecei a empreender aqui, eu achava que a coisa mais difícil que tinha feito na vida era ser mulher, imigrante e empreendedora. Aí eu engravidei, achei que a coisa mais difícil na minha vida era estar grávida. Aí as meninas nasceram e a coisa mais difícil na minha vida é a maternidade. E quero parar - as dificuldades - por aqui", diz Carol Thomé ao DN Brasil, expondo etapas naturais na vida de qualquer mãe, independente de onde esteja.
No entanto, criar um - ou mais - seres humanos quando se está longe do que são os seus referenciais de desenvolvimento é um prato a mais na pilha de louça da mãe imigrante. "Para mim a parte mais difícil da maternidade sendo imigrante é não poder ter a convivência com a cultura, amigos e família que amo tanto. A distância é encurtada pela tecnologia, mas as pessoas que estão longe não conhecem a melhor versão da minha vida e a minha melhor versão", explica a empresária.
Ao passo em que, diariamente, desafia o próprio corpo para desdobrar um colo em dois, Carol também lida com a dualidade de sentimentos de estar em Portugal, mas encontra o lado positivo das escolhas que a fizeram chegar até aqui. "Não consigo me imaginar sendo mãe em São Paulo, onde eu vivia, e levar a vida que levava com duas bebês. Trabalhava como repórter de televisão e era uma rotina complicada. Me preparei muito para esse momento e em Portugal estou conseguindo ter o que mais desejava para os primeiros anos das minhas filhas: tempo para cuidar delas e vê-las crescer com liberdade num país incrível para se viver", relata.
Conciliando identidades
Aproveitar mais o fato de viver em Portugal depois de ser mãe é também a realidade da paulistana Luísa Mafei, mãe de Gael, de três anos, e de Tom, de oito meses. A chef educativa diz se sentir "mais pertencente" hoje, sentimento que cresce junto com os filhos, que fazem com que a brasileira aprenda a conciliar elementos de identidades diferentes: a sua própria e as de Gael e Tom.
"É um sentimento ambíguo. Quando me tornei mãe aqui em Portugal, passou muitas vezes pela minha cabeça voltar para o Brasil por conta da rede de apoio, desse sentimento angustiante de criar um filho fora da minha cultura do meio seio familiar, mas conforme o tempo vai passando vem o sentimento oposto. Me sinto mais pertencente e mais integrada à sociedade e à cultura portuguesa agora que sou mãe aqui", afirma Luísa.
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Tudo é resultado de construções simples, com o dia a dia. "No aniversário do Gael não vai ter pastel de nata na mesa, vai ter brigadeiro e beijinho", diz a chef de cozinha, uma tradição brasileira que faz questão honrar. Além disso, Luísa encontra outros espaços para ser mãe e brasileira. "Alimentamos a nossa cultura entre nós. Temos livros do folclore brasileiro, ouvimos música, tudo isso é passado pro Gael de forma muito natural, sem esforço, porque faz parte de quem somos, das nossas memórias afetivas, tenho muita tranquilidade de que isso tá assegurado", afirma, e completa, "já consigo ver no Gael essa identidade de uma criança luso-brasileira. Às vezes fala como os pais falam, às vezes fala como se fala na escola, às vezes canta musica portuguesa. Acho tudo isso muito enriquecedor para a crianças e para a família, porque a gente também acaba aprendendo muito de Portugal", comenta.
Para a baiana Mariana Santana, conciliar identidades é um desafio comum e a busca extrema pelos elementos da cultura brasileira pode se tornar um fator a mais de dificuldade na maternidade em Portugal. A estudante é facilitadora do grupo para mães imigrantes da plataforma Geni, uma iniciativa de apoio a mulheres brasileiras no exterior, além de ser mãe de Gabriel, de nove anos, e de João, de seis, que nasceram no Brasil.
"Dou o meu próprio exemplo. Em casa falei uma expressão e eles disseram 'o que significa isso?'. E pensei que se estivéssemos no Brasil eles saberiam o significado", pontua Mariana, que afirma que estar aberta à nova realidade é importante, com algo tão simples como "celebrar as duas datas, em Portugal e no Brasil", diz.
Rede de apoio
Encontrar um ponto de equilíbrio passa por ter também uma rede de apoio. Ter com quem contar, desabafar, dividir as dúvidas e angústias, ou apenas alguém para cuidar do bebê por algumas horas, é um ponto importante da jornada das mães brasileiras em Portugal. "Só fui perceber o tamanho do desafio quando o Gael nasceu. Quando ele tinha uns dois, três meses, que comecei a ter aquele sentimento de 'caramba, é verdade, é preciso uma aldeia pra criar uma criança'. Até então esse ditado não ressoava em mim", diz Luisa Mafei.
Quando Gael tinha oito meses, a sogra de Luísa se mudou para Portugal. "Se não fosse por isso provavelmente a gente teria voltado para o Brasil. Amo morar em Portugal, mas não consigo me ver mãe sem o mínimo de apoio. Cada mãe imigrante vai buscar a sua rede", afirma.
Nem todas conseguem ter a família por perto e nessa hora grupos de apoio, como o da plataforma Geni, podem fazer a diferença. "As mães precisam de um espaço onde possam conversar sobre as demandas da maternidade. Existem muitas questões e quando são mães imigrantes existe uma camada a mais aí. É uma adaptação a um mundo novo e uma adaptação ao país novo", diz Mariana Santana.
Encontrar alguém que estivesse na mesma situação e conversar foi a motivação da paranaense Michelly Serotnik para criar um perfil no Instagram dedicado à maternidade, logo após dar à luz a primeira filha, Sofia, atualmente com dois anos. "Mesmo tendo ótimos amigos ao redor, a falta da nossa família é algo que aumenta ainda mais, a sobrecarga é grande e precisamos de alguém pra compartilhar isso. Foi justamente no meu primeiro puerpério que eu decidi criar a comunidade Mais que Mães e meu perfil no Instagram, Maternar e Imigrar, precisava falar com pessoas que estivessem a passar pelo mesmo que eu e não me sentir sozinha", conta Michelly.
"Hoje fico muito orgulhosa da comunidade que criei, com quase 1200 mães aqui de Portugal e países vizinhos, que também vêm para encontrar acolhimento e pertencimento", ressalta a brasileira.
Oportunidades
Sofia ganhou uma irmã no ano passado, Laura, hoje com oito meses. Ao passo em que a família cresce e se firma em Portugal, Michelly entende que ser uma mãe brasileira por cá é também estar sempre planejando com ainda mais cuidado o futuro. "Além de morarmos longe da família, temos aquela básica preocupação de 'e se acontecer algo comigo?', eu e meu esposo sempre pensamos nisso, por isso fizemos um testamento. Além da preocupação com preconceito no geral. A cultura não me preocupa tanto, pois é onde elas estão a crescer e até então não conhecem outra. Mas, ao mesmo tempo em que temos preocupações, também pensamos que aqui elas podem ter mais oportunidades de crescimento e estudos", avalia.
Para a brasiliense Letícia Martins, as oportunidades que encontra em Portugal compensam as dificuldades do maternar longe do Brasil. Miguel, que acaba de fazer um ano, "vai à creche, participa em aulas extracurriculares, faz natação e tem acesso a uma estrutura que me dá tranquilidade como mãe", conta a brasileira.
Os primeiros meses com o bebê foram desafiadores. "A minha mãe e a minha sogra vieram ajudar nos primeiros quatro meses, o que foi essencial. Mas depois disso, ficou tudo por nossa conta casa, trabalho, família e o Miguel. Se alguma vez, antes de ser mãe, julguei ou fiz pouco de outra mãe, já deixo aqui o meu pedido de desculpas. Porque só vivendo na pele é que se entende o quanto nos desdobramos, quantas vezes nos anulamos e, ainda assim, seguimos tentando fazer acontecer", afirma Letícia. No entanto, hoje, a brasileira acredita que está encontrando o caminho certo - ao tentar se reencontrar como mulher e cuidar do filho.
"Criar o Miguel em Portugal me traz uma sensação de segurança tanto na educação como no simples ir e vir do dia a dia. Tendo vivido em São Paulo, capital, sei bem como o trânsito caótico e a rotina desgastante podem impactar a qualidade de vida. Aqui vivemos perto da praia, o que por si só já é um privilégio e eleva o nosso bem-estar. Sinto que há mais acessibilidade em todos os sentidos. Acreditar num futuro melhor para ele aqui não significa que no Brasil isso não seria possível, mas talvez exigisse muito mais de mim. Provavelmente teria de trabalhar mais e aproveitar menos, justamente para proporcionar o que aqui já temos com mais equilíbrio", reflete.
Para Letícia, também é importante ter consciência das carências que existem em Portugal, que afetam especialmente a vida dos imigrantes. É lidar com problemas que podem variar desde acesso à documentação regularizada, saúde, mercado de trabalho, situações que vão sendo analisadas à medida que surgem com confiança pela brasileira. "Portugal tem os seus defeitos, claro. Nenhum lugar é perfeito. Mas entre a qualidade de vida, a mobilidade, as viagens possíveis e, principalmente, a segurança, sinto que todo o esforço vale a pena. No fundo, fazemos tudo pelos nossos filhos e por ele faria mil vezes mais. Agora te digo, seria loucura estar aberta a mais filhos? Isso deixo para a próxima, pois deixo nas mãos de Deus", diz bem-humorada.
Se cada preocupação é um prato que pesa, cada momento de alegria, oportunidade e descobertas traz o sabor que alivia. Ser uma mãe brasileira em Portugal é ser a Carol, a Luísa, a Mariana, a Michelly, a Letícia, é ser eu, você, e muitas mais. A todas nós, neste domingo por cá, no próximo no Brasil, e a qualquer tempo, um feliz dia!
caroline.ribeiro@dn.pt