Tratamento da ansiedade em Portugal ganha novas perspectivas com psicóloga brasileira
Faz pouco mais de um ano que a psicóloga carioca Maria Klien se mudou para Portugal, mas já foi o suficiente para conquistar seu espaço por aqui. Especialista na área da saúde mental, Klien trouxe para o país técnicas inovadoras que têm feito sucesso no tratamento contra a ansiedade em Portugal. Seu trabalho tem chamado a atenção tanto dos brasileiros, que buscam profissionais do mesmo país por afinidade nas consultas, quanto de portugueses e pessoas de outras nacionalidades que residem aqui.
“Vim para Portugal com uma proposta de trabalho, porque aqui eu tenho muitos pacientes que vieram pra cá e sentiram muita falta de um profissional que entendesse mais do contexto que a pessoa vem. A gente sabe que as culturas são diferentes, então existe uma diferença de traduzir o mundo, né? O português, ele traduz o mundo de uma forma mais literal, é diferente. Então, o que eu sinto dos brasileiros aqui é essa procura por profissionais que consigam ter uma leitura de um mundo mais similar à deles. Apesar disso, para a minha surpresa, comecei a ser muito procurada também por portugueses, especialmente para participar de palestras em que pudesse apresentar mais do meu trabalho”, revela a psicóloga em entrevista ao DN Brasil.
De acordo com a psicóloga, a procura não é à toa. Mais de um quinto dos portugueses sofrem de uma perturbação psiquiátrica, ou seja, 22,9% do país, o que caracteriza Portugal como segundo nação europeia com mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa, só atrás da Irlanda do Norte. Entre as perturbações psiquiátricas, a ansiedade, justamente a principal área de especialização da profissional, é a que apresenta uma prevalência mais elevada, de 16,5%.
“Cerca de 165 milhões de pessoas na Europa são afetadas por uma doença ou perturbação mental, anualmente. E sendo Portugal um país muito diverso, a demanda acaba aumentando muito, esses números abrangem os portugueses, mas tem uma quantidade muito grande de brasileiros, franceses, americanos, entre outras nacionalidades morando aqui. Acaba por ser um mercado muito oportuno, é um assunto que tem extrema relevância em Portugal. Inclusive agora vou começar a fazer um projeto que eu tive que desenvolver em inglês, exatamente pela demanda”, revela Klien, que tem dividido seu tempo no país entre consultas, palestras e encontros de grupo em diferentes lugares do país.
O currículo da carioca explica um pouco do sucesso em tão pouco tempo em Portugal. Com formação em Gestão e Pedagogia no Brasil, ela possui ainda uma pós-graduação em Psicopedagogia e uma formação em Neuropsicologia no Hospital Albert Einstein, uma das principais referências na saúde privada do Brasil. Desde que se mudou para Portugal, Maria Klien tem apresentado seu trabalho com foco em dicas de como reduzir a dependência de medicamentos para a ansiedade e outros transtornos psiquiátricos. Ela conta que a sua atuação clínica combina métodos tradicionais e práticas complementares, visando atender às necessidades emocionais dos pacientes.
Em breve, ela também abrirá o seu próprio espaço para esses encontros, mais precisamente no Príncipe Real, em Lisboa. Para Klien, é através dessas iniciativas que seu trabalho pode chegar ainda mais longe em Portugal, sempre com foco na resolução do transtorno da ansiedade.
“Vou focar nesse contexto de encontros para a mensagem chegar a mais pessoas. Minha mensagem foi a única possibilidade de sobreviver a toda tempestade que eu vivi internamente, dos medos, inseguranças, do pânico, de toda a falta de autonomia que eu tinha que é: as pessoas tem que entender que as emoções fazem parte delas e que todas as emoções cumprem um propósito. A raiva, por exemplo, ela cumpre um propósito de limitar o seu espaço, até aqui você vai, a partir daqui não”, explica a cada vez mais requisitada psicóloga, que explica o porquê da ansiedade ser um tema tão recorrente na vida das pessoas:
“A questão é que hoje a gente tem uma vida com tantos desafios e a gente fica o tempo todo em alerta: a gente acha que o leão está na sala, só que não tem leão na sala. Estabilizar isso, trazer essa ansiedade de um lugar disfuncional para um lugar funcional, devolver autonomia e fazer com que a pessoa volte a se sentir segura dentro dela é a base do meu trabalho. Isso a gente sabe que tem demanda em todo mundo”, conta Klien.
Questionada pela reportagem se o mercado da psicologia em Portugal difere muito do brasileiro, Klien reflete sobre um nicho que tem influenciado negativamente o caminhar da profissão no Brasil: os coachs. “Claro que por uma questão de tamanho, tendo em vista que o Brasil tem uma dimensão continental, há mais mercado, mas acho que tem muito espaço para bons profissionais aqui. O que acontece no Brasil também, que é triste, mas a gente vê, é esse mercado de coach tomando conta do mercado de psicólogos. A gente vê profissionais muito aquém de profissionais bons e eu acho que o Brasil foi se perdendo nesses lugares. Aqui em Portugal as funções são mais definidas, de forma geral”, reflete.
Medicina canábica
Entre um dos métodos pelos quais se destaca em Portugal, um dos que mais caracteriza o trabalho de Maria Klien é o uso da cannabis e de cogumelos medicinais. Ao longo de sua trajetória no Brasil, foi justamente através da cannabis medicinal que a psicóloga viu uma alternativa significativa para os pacientes com quadros graves de pânico e ansiedade. Segundo a especialista, a planta oferece uma nova esperança para aqueles que, em muitos casos, foram considerados sem opções terapêuticas viáveis. Além disso, o uso de cannabis já representa um marco importante para pacientes com condições como epilepsia refratária, esclerose múltipla e dor neuropática.
Klien conta que foi através de um caso pessoal que encontrou na cannabis uma possível solução para a ansiedade e outros transtornos psiquiátricos. “Na verdade, o que aconteceu comigo foi que nesses 20 anos de trajetória de síndrome do pânico, eu era altamente medicada e não tinha autonomia nenhuma. Um dia, eu conheci a cannabis medicinal e, a partir daí, renasci. Comecei a tomar cannabis e em cinco meses, desmamei todos os outros medicamentos, isso já há muitos anos, e a partir daí comecei a estudar muito, fiz as formações, entendi que aquilo não era só para a ansiedade, mas que fazia todo sentido ser para a ansiedade também. Os receptores canabinoides se conectam aos receptores GABA, é exatamente a forma, por exemplo, que um Rivotril faz. Tem uma neuro biodinâmica que é muito similar”, explica.
Desde então, Klien fez da cannabis medicinal o principal foco de sua pesquisa e até de sua veia empreendedora. “Pensei: quero levar isso para mais pessoas”. Ela começou a investigar o mercado, de forma a levar o tratamento para a rede pública e encontrou sócios para formar duas empresas, a CBFarma e NativaMed. “A gente vende no Brasil óleos, gumes, creme, gel, tudo que você possa imaginar de cannabis. Agora, estamos aguardar a aprovação da Anvisa. Somos uma das poucas empresas que conseguem isso para venda nas farmácias no Brasil”, diz a psicóloga, que ainda revela uma possível conversa sobre o assunto com a Inframed em Portugal. “Tenho muitos pacientes e médicos que trabalham aqui e que sentem necessidade de um canabinoide com um teor mais medicinal”, afirma.
De acordo com Klien, trabalhar com a cannabis contra a ansiedade é também uma forma de quebrar tabus, tanto no Brasil, quanto em Portugal, algo que orgulha a profissional. “A medicina canábica é uma medicina muito efetiva e muito promissora no sentido de que ela é e no sentido das pessoas poderem estar aí quebrando os tabus, entendendo. Eu adoro quando me colocam em um congresso para falar sobre isso. Um tempo atrás, me colocaram em um que era com mulheres evangélicas: fui aplaudida de pé. Acho sensacional quando a vida me coloca nesse desafio”, finaliza.
nuno.tibirica@dn.pt