Cannabis é descriminalizada em Portugal.
Cannabis é descriminalizada em Portugal.Manaure QUINTERO / AFP

Veterinária brasileira conduz pesquisa sobre benefícios da cannabis medicinal em Portugal

Em conversa ao DN Brasil, Karla Pinto fala sobre os desafios enfrentados em cada país, desde as dificuldades burocráticas para o tratamento em Portugal até o tabu com a planta no Brasil: "Ainda é algo muito diabolizado por lá"
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É através da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que a médica veterinária brasileira Karla Pinto, radicada em Portugal há mais de 20 anos, faz uma pesquisa que promete revolucionar a medicina animal por aqui: o uso da cannabis terapêutica no tratamento de doenças em pets. Entre relatos sobre epilepsia e dores crônicas aliviadas em cães e gatos, mesmos sintomas que são atenuados nos humanos com o uso medicinal da cannabis, Karla falou ao DN Brasil sobre os desafios e oportunidades de Portugal e Brasil no uso veterinário da planta.

“Portugal tem uma das legislações mais progressistas do mundo para fins medicinais e até recreativos da CBD e da THC, mas faltam pesquisas e produtos de confiança”, explica a veterinária. Segundo ela, os medicamentos para uso veterinário ainda são inexistentes no país, embora a lei permita que veterinários prescrevam fórmulas humanas em casos específicos, graças à chamada “Lei da Cascata”.

Desde outubro, nove novos medicamentos à base de Cannabis estão disponíveis nas farmácias portuguesas, mas a burocracia lenta continua travando avanços mais expressivos. Enquanto isso, no Brasil, a regulamentação da Cannabis enfrenta desafios culturais e tabus históricos, mas demonstra uma crescente abertura à pesquisa científica.

“Os veterinários brasileiros agora podem prescrever produtos autorizados pela Anvisa, o que é um avanço enorme. Além disso, há muitas pós-graduações na área, algo que falta completamente em Portugal”, destaca Karla, que é uma das primeiras a fazer pesquisa nesta área por aqui.

Apesar desse avanço de pesquisas em universidades brasileiras, a restrição ao uso de THC — componente psicoativo da planta — e o custo elevado dos produtos ainda dificultam o acesso a tratamentos mais amplos no Brasil. "Ainda é algo diabolizado no Brasil, o que não faz sentido algum: nosso país é muito grande e muito rico para limitar o pensamento dos benefícios do canhâmo e da marijuana à algo recreativo que, aqui, não entra em questão", pontua, antes de destacar que o cultivo da planta pode ser relevante como fonte de matéria prima:

"No Brasil, por essa questão de ver a planta como demônio, a solução foi proibir tudo: marijuana, cânhamo, THC, CBD, que nem efeito faz, você fuma aquilo e não vai te fazer nada. É uma pena, pelo clima do Brasil, a produção poderia ser muito relevante. Para se ter uma ideia, a fibra do cânhamo serve para fazer concreto, por exemplo. Dá para ser uma fonte que ajuda na construção de casas, em Portugal tem uma fábrica que produz tijolos com fibra de cânhamo. Acho que o Brasil tem que perder a primeira parte, que é justamente o estigma, muito enraizado na cultura do país", afirma a pesquisadora.

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Intercâmbio de ideias

Para a médica, a solução para as questões dos dois países é simples: a integração e o intercâmbio de ideias. "Podíamos unir Brasil e Portugal em pesquisa, aproveitando a nossa facilidade de aquisição de produtos e a legislação mais permissiva daqui, enquanto o Brasil já tem avanços importantes em pós-graduações e pesquisa. Integrar esse conhecimento seria muito interessante, especialmente porque lá ainda há uma certa resistência com moléculas que usamos mais aqui", sugere a pesquisadora.

A veterinária brasileira Karla Pinto.
A veterinária brasileira Karla Pinto.DR

Para que essa integração se torne mais fácil, a médica torce que a descriminalização no Brasil tenha efeitos práticos. Aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último mês de junho, a medida foi criada para diferenciar usuários de traficantes. Para Karla, esse é o primeiro passo para uma longa caminhada na quebra de tabu acerca da planta. Neste sentido, Portugal, pelas medidas que aplicou no passado, pode e deve ser um exemplo.

"O maior problema de Portugal nos anos 90 era o consumo de drogas. Quando descriminalizaram a marijuana e demais drogas, essa discussão passou de um problema jurídico para uma questão de saúde. Resultado? Passados dez anos, o mesmo problema ocupava o 17º lugar. O Brasil vai passar por essa primeira abertura agora, mesmo que pequena, esperemos que resulte em algo. Aqui em Portugal os benefícios foram brutais", finaliza Karla.

nuno.tibirica@dn.pt

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicado à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.

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