Pergunte ao Advogado: o processo de nacionalidade portuguesa pode demorar tanto assim?
LEONARDO NEGRÃO

Pergunte ao Advogado: o processo de nacionalidade portuguesa pode demorar tanto assim?

Tem uma pergunta? Basta enviar para o e-mail dnbrasil@dn.pt que a resposta será publicada às quintas-feiras no DN Brasil.
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O advogado brasileiro André Lima responde, todas as semanas, a uma dúvida dos leitores e leitoras do DN Brasil sobre imigração.

Nesta semana, um leitor questionou sobre a demora para conseguir a nacionalidade portuguesa e colocou o seguinte ponto: vale a pena entrar com um pedido judicial para acelerar?

O advogado André Lima responde:

A pergunta desta semana foi enviada pelo leitor Gusthavo Venancio, que partilhou uma situação infelizmente vivida por milhares de imigrantes em Portugal: já completou cinco anos de residência, já deu entrada no pedido de nacionalidade, mas o processo segue travado. O título de residência está vencido, ele não consegue renovar, assinar documentos digitalmente, emitir antecedentes criminais, e até os bancos ameaçam cancelar suas contas por falta de validação documental. Diante de tanta inércia, pergunta: vale a pena entrar com um pedido judicial para acelerar?

Vamos por partes.

O regime da nacionalidade portuguesa está previsto na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e no respetivo regulamento, o Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro. Essa legislação estabelece, de forma clara, que o prazo máximo para análise dos pedidos de nacionalidade é de 90 dias úteis. Não se trata de uma sugestão ou de uma expectativa vaga. É uma obrigação legal.

O artigo 41.º do Regulamento da Nacionalidade determina que a Conservatória dos Registos Centrais deve, no prazo de 30 dias, analisar e verificar se o processo está completo. Caso esteja, a decisão deve ser proferida nos 60 dias seguintes, totalizando os 90 dias úteis. Em caso de indeferimento, há ainda um prazo adicional de 30 dias para resposta do requerente.

É verdade que o Código do Procedimento Administrativo admite prorrogações em “casos excecionais”, mas isso não pode ser usado como desculpa para o que vemos hoje. Basta consultar o portal da justiça para perceber que há processos com três, quatro até cinco anos de tramitação, muitos deles parados sem qualquer andamento.

E o que explica essa morosidade?

A resposta é simples: falta de estrutura. O IRN não tem pessoal suficiente. Muitos funcionários se aposentaram, e as recolocações ou concursos públicos realizados não foram suficientes para repor as vagas. Segundo dados públicos divulgados pelo próprio IRN, existiam mais de 360 mil processos pendentes de nacionalidade ao final de 2023 — e o número só cresceu desde então. A conta não fecha.

Mas, ainda que a falha seja estrutural, isso não isenta o Estado de cumprir a lei. O direito à nacionalidade não pode ser sufocado pela inércia administrativa. E dinheiro não é o problema: cada processo de nacionalidade custa atualmente 250 euros ao requerente. Arrecada-se muito. O problema é a ausência de uma gestão eficiente dos recursos arrecadados, que deveriam ser canalizados para infraestrutura, concursos e digitalização do sistema.

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E o que fazer quando o Estado não decide?

É aqui que entra a via judicial.

O artigo 129.º do Código do Procedimento Administrativo é claro: se o processo não for decidido no prazo legal, há incumprimento do dever de decisão, o que permite ao requerente utilizar meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados. Em outras palavras, é possível — e legítimo — recorrer ao tribunal para obrigar o Estado a decidir.

Além disso, o artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa assegura o direito à tutela jurisdicional efetiva. Isso significa que, mesmo frente à inércia administrativa, o cidadão não está indefeso.

Portanto, à pergunta do leitor: sim, é viável e, em muitos casos, necessário recorrer ao tribunal quando a administração se cala. O simples fato de o processo estar pendente há mais de 90 dias úteis já configura base legal suficiente para reagir judicialmente.

E não se trata apenas de uma “aceleração” por capricho. Embora a não conclusão do pedido de nacionalidade não impeça, por si só, a renovação do título de residência ou o acesso a determinados serviços, a realidade atual da AIMA — marcada por atrasos, indeferimentos arbitrários e exigências burocráticas desproporcionais — tem feito com que muitos imigrantes encontrem dificuldades práticas para renovar seus documentos enquanto aguardam a nacionalidade. Na prática, isso tem gerado efeitos indiretos graves: bloqueios em contas bancárias, impossibilidade de emitir documentos, assinar digitalmente ou até exercer atividades profissionais com segurança jurídica.

O Estado não pode virar as costas ao cidadão que cumpre a lei. Se a nacionalidade é um direito previsto em lei, a espera indefinida é uma violação desse direito.

Tem uma pergunta?
Basta enviar para o e-mail dnbrasil@dn.pt que a resposta será publicada às quintas-feiras no DN Brasil.
Quem é o advogado que responde?
André Lima, Advogado, inscrito nas Ordens dos Advogados de Portugal e do Brasil, pós-graduado em Finanças, Reestruturação e Contencioso Corporativo pela Universidade Católica Portuguesa, e pós-graduando em Direito Internacional, Imigração & Migração pela EBPÓS. É mentor dedicado de advogados em ascensão e membro ativo de diversas associações jurídicas, incluindo o IBDESC, ABRINTER e ABA, que destacam o seu compromisso com a internacionalização do direito e a sua contribuição para a comunidade jurídica internacional.
O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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