"Hoje esse futuro chegou e o caos é iminente".
"Hoje esse futuro chegou e o caos é iminente".Foto: Reinaldo Rodrigues

Opinião. Um triste resumo dos últimos tempos na política de imigração em Portugal

"É triste ter a certeza de que a solução não está em culpabilizar a imigração e mesmo assim nada poder fazer contra o coro de portugueses que entoam essa cantilena".
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Texto: Priscila Santos Nazareth Ferreira*

Escrever, desde sempre para mim, é como respirar. As palavras saem fáceis, sem barreiras. Até os dias de hoje. E não por falta do que dizer, e sim pela tragédia que se avizinha. Falar do mal em si parece torná-lo cada vez mais real. Esse texto vai ser longo, aviso já.

O DN Brasil fez um ano em junho, e estou com o jornal desde o seu projeto embrionário, surgido da ideia da informação real, sem oportunismos e numa linguagem aberta. E ao analisar esse mais de um ano, fiz uma retrospectiva dos meus humores: já estive irritada, raivosa com algumas práticas abusivas e desrespeito às leis que tanto me absorvem, já estive otimista, e também resignada. Já fui paciente e outras vezes realista no excesso. O que existiu em comum a todos esses momentos foi a certeza de que o texto entregue retratava a situação sempre do "agora e do futuro". Hoje esse futuro chegou e o caos é iminente.

  • Fim da nacionalidade por residência desde a data do pedido, que hoje leva mais de 3 anos a ser analisado;

  • Fim do direito ao reagrupamento familiar de pessoas que já o esperam desde 2022, tornando ainda mais precária a situação de maridos e esposas que aqui se encontram há anos à espera de documentos  porque a lei assim permitiu;

  • Fim do visto de procura de trabalho para profissionais comuns, da restauração, do turismo, da construção, da agricultura, cujas atividades na soma representam mais de 50% do PIB nacional;

  • Fim da isenção do IVA a quem não tem domicílio fiscal em Portugal mesmo que aqui já more há 4 ou 5 anos, e somente não fez a troca da morada fiscal porque o próprio Estado os impede de ter os documentos necessários.

Parece uma avalanche de políticas públicas insanas, desumanas, irresponsáveis e perversas, contra as quais o imigrante pouco ou nada pode fazer. Existe uma faixa da população portuguesa coerente e sábia quanto à necessidade da imigração legalizada. Mas mesmo essa faixa é ignorada quando a Assembleia da República serve de palco para personalidades egóicas, que buscam inverter o cenário para ir ao encontro de suas fantasias.

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O futuro que eu alertei há dois anos atrás hoje é nosso presente. E em poucos dias fará os estragos para as décadas que se seguem. Não vejo meios de parar essa avalanche. Daí meu silêncio por dias. Muito tinha a dizer, mas sem o fôlego para encarar o retrocesso. 

Venho de um Portugal de menos de 500 mil imigrantes. E desse número mais da metade não tinha documentos. Eram tempos difíceis de ver. Contrato de trabalho era o sonho em papel de muitos deles, a porta para o caminho da dignidade. Bem sei que os trabalhos ao negro vão aumentar, fuga de impostos que agradam o patrão explorador e às redes de exploração de mão de obra.

É triste ter a certeza de que a solução não está em culpabilizar a imigração e mesmo assim nada poder fazer contra o coro de portugueses que entoam essa cantilena. Em quem se pode confiar para salvar esse país? Hoje os seus heróis são exatamente aqueles que, em muito pouco tempo, vão colher os frutos do veneno amargo que nos têm impingido. 

Em tempos de Gotham City nos falta o Batman. E quando não há super-heróis cabe a cada um de nós fazer a sua parte. Mais amor e tolerância por favor!

Você pode discordar de mim no @narealnaeuropa.

*Priscila Santos Nazareth Ferreira é Advogada em Direito Internacional Privado 

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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