Opinião. Quem deve custear o Estado?
Texto: Washington Cardoso Alkmim Júnior*
Pagar tributos é desagradável e desperta o sentimento humano de fuga. Reação natural, pois o Estado nos coage a entregar-lhe parte da renda fruto do nosso suado trabalho. Não por outro motivo, alguns se revoltam e apregoam que “imposto é roubo”.
Na verdade, o tributo financia a ação estatal. O parlamento delibera sobre os caminhos da comunidade, impondo obrigações à Administração. As leis fazem nascer a necessidade de obter recursos para financiá-las. Quanto mais “direitos”, por conseguinte, mais recursos se precisa. Ou seja, maior deverá ser a carga tributária.
Essa óbvia consequência é inafastável, em que pese não raro ignorada cada vez que algum cidadão nervoso e indignado pleiteia “justiça”, e a tutela estatal lhe é concedida irrefletidamente. A materialidade existencial denota que o custo dos direitos é fato intransponível. A todo direito corresponde uma obrigação. Portanto, toda vez que se cria um direito, sempre nasce consigo sua despesa. Como nas moedas, sempre um lado é a “cara” e o outro a “coroa”.
Essa é a causa do alto volume de tributos que pagamos. Outro tópico essencial é refletir sobre quem deve pagar esses tributos: o contribuinte. Essa operação idealmente deveria ser conduzida pelo princípio da capacidade contributiva que, grosso modo, estabelece duas diretrizes: i) quem possui mais pagará mais e ii) o fato gerador deve buscar sinais de riqueza.
O primeiro ponto representa um critério de equidade segundo o qual quem dispõe de mais recursos poderá perder proporção maior deles sem prejudicar seu orçamento familiar. Ao passo que aqueles com menor capacidade econômica devem ser prestigiados com alíquotas menores ou mesmo receber isenções. Idealmente seria assim. Na prática, é comum ver benefícios tributários em favor dos mais abastados como forma de atrair seus investimentos enquanto meio de impulsionar a atividade econômica e gerar novos empregos.
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Aquele segundo ponto (fato gerador) envolve conflitos sociais importantes. Ele diz respeito às circunstâncias da vida que o legislador escolhe como o evento ou situação que, ao ocorrer, dá origem à obrigação tributária. Por exemplo: faturamento de uma empresa, salário de um empregado, propriedade imobiliária, receber herança, importar bens, adquirir bem ou serviço, etc.
As pessoas com maior patrimônio naturalmente adquirem itens mais caros e supérfluos, mas a aquisição de bens e serviços ocorre em todas as camadas sociais. De modo que tributar o consumo dificulta considerar a capacidade contributiva. O contrário pode ser dito dos impostos sobre a renda e o patrimônio, sobretudo pela facilidade de adotar alíquotas progressivas neles. Por exemplo, é possível isentar quem ganha o salário mínimo e estabelecer distintas alíquotas quanto maior for o escalão de renda.
Em que pese haver um oceano de diferenças entre si, Portugal e Brasil são dois países nos quais existe forte opção legislativa pelo imposto de consumo. Nessa quadra, nossa pesquisa acadêmica investigou justamente a possibilidade de reduzir a dependência dos tributos sobre o consumo e buscar impostos mais ajustados à capacidade contributiva. Encontramos um caminho inexplorado nos sistemas tributários nacionais: tributar heranças.
No Brasil, o imposto de heranças é baixo (máximo de 8% por Resolução do Senado Federal), mas existe. Em Portugal, vigora incompreensível isenção aos contribuintes usuais (art. 6º do Código do Imposto do Selo): cônjuge, ascendentes e descendentes.
A relevância do imposto de heranças está na sua habilidade de aproximar os pontos de partida das pessoas. A parte do espólio arrecadada ao erário pode custear serviços públicos redistributivos (logística, transporte, segurança, saúde, educação, etc.) e, ao cabo, ampliar as possibilidades de ascensão socioeconômica intergeracional.
Nossa hipótese é que o imposto de heranças deveria ser melhor explorado, dadas suas nítidas vantagens: i) incide sobre os mais privilegiados, já que os pobres raramente deixam bens, mas sim dívidas; ii) aquele que recebe herança parte de um ponto à frente na pirâmide social; iii) herança é receita gratuita, sem labor ou investimento do beneficiário; e iv) iniquidade de trabalhador recolher tributo sobre sua pouca renda laboral e herdeiros nada (ou pouco) pagarem sobre o patrimônio graciosamente recebido dos genitores.
Esse último elemento expõe a anedota que resume nosso argumento. Pelas atuais tabelas vigentes em Portugal, um trabalhador com rendimentos modestos deverá recolher 13% de IRS (imposto sobre renda), ao passo que outrem pagará zero se herdar um valioso imóvel paterno. A disparidade transparece que o legislador fechou os olhos à diretriz da capacidade contributiva.
Vale ressaltar que prestigiar um fato gerador em detrimento de outro não significa defender aumento de carga tributária, mas sim redefinir quem deve financiá-la, incorporando o critério da capacidade contributiva ao escolher quem custeia o Estado.
Mesmo porque, o pacto social dá sinais de esgotamento. Apesar da elevada carga tributária, os persistentes déficits nominais e primários indicam que a economia brasileira — e possivelmente a portuguesa — não suportam os direitos sociais almejados. A Administração, pesada e altamente endividada, sufoca a produtividade. Combinada à má qualidade do gasto estatal, essa estrutura perpetua a população na baixa renda, na desigualdade e na dependência de caridade disfarçada de “direitos” sociais.
*Washington Cardoso Alkmim Júnior foi agraciado pelo 2º Prêmio FIBE, com o 2º Lugar, pela dissertação de mestrado que inspirou este artigo. É graduado em Direito pela UnB, mestre em Economia pela FGV, Procurador do Distrito Federal e advogado em Brasília.