Opinião. Manipulação digital e a resistência das 'big techs' à regulação
Texto: Thaís Figueira de Oliveira*
Você acha que decide o que compra, clica ou aceita online? É você quem escolhe, segundo as suas preferências, o conteúdo com o qual interage nas plataformas digitais, como redes sociais? Na verdade, as Big Techs, empresas de tecnologia, já decidiram tudo por você. De acordo com um estudo elaborado pela Comissão Europeia em 2022, cerca de 97% dos aplicativos e sites mais populares na União Europeia utilizam pelo menos um tipo de padrão obscuro na configuração de seu design. Outra investigação acadêmica afirma que, apesar de os usuários da internet até serem capazes de identificar alguma técnica manipulativa, desconhecem os riscos e problemas que podem causar aos seus direitos.
Hoje, toda a experiência online é conduzida pelas empresas para influenciar o comportamento de seus usuários para várias finalidades, conduzindo sempre ao lucro. Ao utilizar diferentes mecanismos de inteligência artificial, são capazes de levar o indivíduo a fornecer mais dados pessoais que o necessário para acessar um produto ou serviço, a desembolsar mais dinheiro e a permanecer mais tempo conectado à plataforma, realizando as ações anteriores. Tais técnicas são conhecidas pelos termos dark patterns, deceptive patterns, deceptive design ou na versão traduzida como padrões obscuros, as quais são não apenas inseridas de forma subliminar na aparência digital, como também podem constituir a própria estrutura do serviço oferecido.
Em vez de compreender o mercado e as preferências de seus clientes, as empresas perceberam que seria mais rentável influenciar comportamentos, criar necessidades artificiais e produzir demandas para assim alcançar lucro e dominar os setores em que atuam. Para isso, investiram no desenvolvimento de tecnologias, como os sistemas de inteligência artificial, para coletar dados pessoais e de navegação dos usuários da internet, por meio de várias ferramentas, como os cookies. Essas informações são utilizadas para a criação de perfis comportamentais para análises preditivas de mercado. Para traduzir e exemplificar, esses dados coletados podem revelar que um determinado indivíduo possui ou não uma formação acadêmica, reside em uma certa área da cidade, segue uma religião, dentre outras características. Por isso, provavelmente terá interesse sobre um produto ou conteúdo, poderá querer frequentar um certo local, como um restaurante ou um ginásio, ou ser potencial cliente de uma loja.
Pode parecer que há apenas benefícios, pois a personalização do conteúdo e dos anúncios de publicidade traz conveniência e alinha preferências. Porém, há uma linha tênue entre a mera oferta de opções, produtos e serviços e a manipulação das decisões dos usuários da internet por essas empresas. Dentre muitos exemplos, há padrões obscuros que tornam excessivamente difícil o cancelamento de um serviço ou subscrição, o qual às vezes sequer foi solicitado, ou a apresentação de opções com o destaque intencional sobre uma alternativa ou até já pré-selecionada, o que leva o usuário a pensar que é a melhor e a aceitá-la, ou ainda a exibição de uma janela a obrigar que uma ação seja executada, geralmente com uma opção clara para concordar e outra confusa para recusar. Especialmente nas redes sociais há a reprodução sem fim de conteúdos, como uma máquina de caça-níquel em que, ao rolar para baixo, mais publicações são exibidas, como também o envio de notificações com um teor emotivo para fazer o usuário voltar à plataforma, sem falar no “efeito bolha” que a moderação de conteúdo provoca ao direcionar não aquilo que o indivíduo tem interesse, mas aquilo que pode vir a querer ver.
Sutilmente as empresas conseguem fazer o usuário aceitar as opções apresentadas e consumir os conteúdos, produtos e serviços ofertados, fornecendo dados pessoais, dinheiro e atenção, o que traduz-se em lucro para elas. Como consequência, essas técnicas, consideradas práticas comerciais desleais, violam os direitos fundamentais das pessoas, como a privacidade, a proteção de dados pessoais, a autodeterminação informativa, a informação e a não discriminação, bem como os direitos dos consumidores e as liberdades de expressão e de manifestação do pensamento.
Por isso, um dos motivos para que as Big Techs sejam contrárias e resistentes à regulação das plataformas digitais é que a imposição de normas legais pode comprometer seus modelos de negócio baseados na coleta e monetização de dados, visto que pode exigir maior transparência, limitar o uso de algoritmos manipulativos e impor padrões éticos para a personalização de conteúdos e anúncios. A regulação das plataformas digitais pode não apenas limitar as práticas abusivas e o poder das empresas sobre seus usuários, mas também tornar o espaço digital mais transparente e equilibrado. Isso não significa restringir a inovação e a autonomia privada das empresas, mas preservá-las em um modelo mais justo para todos, fortalecendo a autonomia dos usuários sobre suas próprias escolhas e a proteção de seus direitos, fundamentais também na internet.
*Thaís Figueira de Oliveira é advogada no Brasil e em Portugal. É mestre e doutoranda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.