"O que se exige não é apenas uma correção legislativa. É uma mudança de mentalidade. Um compromisso claro com a eficiência, com a transparência e com a valorização real do profissional — português ou estrangeiro"
"O que se exige não é apenas uma correção legislativa. É uma mudança de mentalidade. Um compromisso claro com a eficiência, com a transparência e com a valorização real do profissional — português ou estrangeiro"Foto: Reinaldo Rodrigues

Opinião. Portugal quer atrair cérebros, mas amarra até os seus

"É preciso repensar os prazos, simplificar processos, reduzir barreiras. É preciso, acima de tudo, vontade política de sair do discurso e entrar, enfim, na prática".
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Texto: Thiago Soares*

Portugal vive um dilema silencioso. Entre o desejo declarado de se tornar um polo de atração para profissionais altamente qualificados e a realidade de sua política migratória, existe um fosso institucional profundo — e cada vez mais difícil de ignorar.

O país busca adaptar sua legislação para facilitar a entrada de talentos estrangeiros, especialmente aqueles com formação superior. Contudo, a nova proposta de alteração à Lei de Estrangeiros revela mais obstáculos do que soluções. Em vez de criar um caminho claro para integração, ela desenha um labirinto de prazos contraditórios, burocracia pesada e exigências incompatíveis com o mundo moderno da mobilidade profissional.

Um dos pontos mais controversos é a exigência de dois anos de residência legal em território português para que o profissional estrangeiro possa solicitar o reagrupamento de sua família. À primeira vista, esse requisito parece razoável.

Mas a realidade o transforma em um entrave: o processo de validação de diplomas — essencial para que o imigrante atue em sua área de formação — pode levar até nove meses. Paralelamente, a própria legislação concede apenas quatro meses para que esse profissional converta seu visto de procura de trabalho em autorização de residência. A incoerência é evidente: como cumprir um prazo apertado se o próprio Estado impõe atrasos sistêmicos?

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Na prática, o tempo de espera para reunir a família não é de dois anos. É de três, quatro ou até mais — dependendo da eficiência da administração pública, da sorte individual e do suporte financeiro do imigrante. Para um país que deseja atrair especialistas, pesquisadores, engenheiros, médicos e outros profissionais estratégicos, esse tipo de contradição legislativa soa como um convite ao desalento.

Mais grave ainda: Portugal sequer consegue manter os talentos que já forma. Cerca de 40% dos seus próprios universitários, após a graduação, optam por deixar o país em busca de melhores oportunidades no exterior. Essa debandada de cérebros revela uma falência estrutural que não pode mais ser ignorada. Quando um país não consegue reter seus jovens mais qualificados, é difícil imaginar que conseguirá atrair — e manter — talentos estrangeiros em condições adversas.

Enquanto países como Alemanha, Irlanda e Holanda competem agressivamente por profissionais qualificados, oferecendo caminhos ágeis de reconhecimento e integração, Portugal continua refém de sua lentidão. E o mundo não espera. O talento é um recurso móvel, impaciente, exigente. Não basta abrir portas: é preciso garantir que quem entra não fique à mercê da desorganização e da espera indefinida.

O que se exige não é apenas uma correção legislativa. É uma mudança de mentalidade. Um compromisso claro com a eficiência, com a transparência e com a valorização real do profissional — português ou estrangeiro. É preciso repensar os prazos, simplificar processos, reduzir barreiras. É preciso, acima de tudo, vontade política de sair do discurso e entrar, enfim, na prática.

Enquanto isso não acontece, Portugal continuará atraindo talentos apenas no papel — e afastando-os na realidade.

*Thiago Soares advogado especialista em Direito Migratório e fundador da comunidade "Portugal é Nóis".

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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