Opinião. De quem é a culpa pela desinformação na imigração?
Texto: Luísa Cunha*
O sonho de uma mudança nos torna propensos a ouvir as alegrias de quem imigra. Os novos ares propagados e o mundo de possibilidades escancaradas — muitas vezes maquiadas — pelos canais das redes sociais daqueles que vendem a vida de imigrante alimentam ainda mais o desejo de quem, com olhos deslumbrados, desliza por scrolls infinitos em busca de informações que reforcem seus anseios. A realidade da imigração, no entanto, ninguém conta. E é compreensível: uma opinião dura e sem os dois lados da moeda não atrai. Não é sedutor dizer ao próximo algo como: “Não venha para Portugal. Seu sotaque será diminuído, seu diploma desvalorizado, seu trabalho mal remunerado e sua índole questionada.”
Deslumbramo-nos facilmente e, no fundo, sempre buscaremos — em nossa essência humana — qualquer lugar que nos encante com a palavra “oportunidades”. Não há nada mais animador do que a chance de recomeçar, nada mais excitante para o imigrante do que a oferta de possibilidades. E, nesse novo horizonte, Portugal realmente nos atrai, seja pela educação, segurança ou novas experiências. Compramos o sonho e escolhemos vir. Mas até que ponto essa foi uma escolha consciente e bem informada? Tenho para mim que a “fake news” da imigração já é uma notícia antiga. Tudo parece melhor do outro lado do oceano, e não somos apenas nós, brasileiros, que vendemos uns aos outros o sonho de imigrar.
Um exemplo claro está nas páginas das universidades portuguesas. Algumas possuem sites específicos para alunos luso-brasileiros, com “dicas” de onde morar, o que fazer, como será “a vida no campus” e informações sobre bolsas de estudo disponíveis para quem chega em busca de conhecimento e crescimento profissional. Nenhuma menciona abertamente as dificuldades de adaptação ao corpo estudantil, nem reconhece a discriminação entre docentes e alunos (ainda que de forma velada). Tampouco informam sobre os incontáveis documentos necessários para solicitar uma bolsa — muitos só obtidos após o primeiro ou segundo ano de curso ou residência — ou esclarecem que a vida no campus é quase inviável devido à escassez de vagas nos dormitórios da própria universidade. Eu mesma espero por uma vaga desde 2021.
O fato é: Portugal está à venda. Não sabemos exatamente quem o vende, já que muitos portugueses parecem não estar plenamente felizes com nossa presença aqui, mas o anúncio está feito. E, no mundo capitalista de hoje, tudo o que se vende encontra um público — e o imigrante que sonha em crescer, em qualquer aspecto da vida, é um alvo fácil dessa publicidade.
Pode-se pensar que isso é apenas marketing. Tudo que vemos na internet é floreado; é preciso imaginar um cenário pelo menos um pouco mais difícil. Mas, ora! Se não podemos confiar na palavra de quem imigra, nos sites institucionais e, às vezes, nem nos senhorios que contatamos quando ainda estamos a 7.000 km de distância, digam-me: onde buscar informações coesas, reais e que, sem destruir sonhos, preparem alguém para uma integração verdadeira em um país saturado de imigrantes? De quem é a culpa por termos vindo a Portugal? Nossa ou daqueles que vendem Portugal?
O grande desafio é perceber que — tanto para vendedores quanto para compradores — o anúncio foi feito sem prazo de validade. Não é como um panfleto de supermercado, com promoções válidas de X a Y. A imigração para Portugal foi incentivada e necessária para um país cuja força de trabalho ativa, segundo os dados mais recentes, é composta em grande parte por imigrantes. Não é porque alguns pensam que já há brasileiros demais aqui que a validade de quem construiu sua vida neste país há 3, 5 ou 10 anos expira. Com cidadania ou não, imigramos com o propósito de fazer parte. E sentimos informar: o Brasil não aceita devoluções desse tipo.
Sinto informar também aos companheiros brasileiros migrantes: por mais realistas que sejam as informações compartilhadas sobre as dificuldades de integração, nada os preparará completamente para a trajetória em outro país. Seja Portugal ou qualquer outro lugar, imigrar é sempre um desafio. Não há como arrumar as malas com 100% de preparo. Deixo aqui um pequeno exemplo de algo que talvez nunca tenham contado: se você vem de um estado brasileiro onde a água mineral contém flúor, prepare-se para trazer na mala um enxaguante bucal que o reponha, pois poderá ter sensibilidade nos dentes. Este é apenas um detalhe ínfimo, mas ilustra a profundidade das mudanças que enfrentamos ao imigrar.
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Não há como incluir na bagagem, no marketing ou em reels de dois minutos tudo o que é necessário para te preparar. Certamente, isso não exime a culpa das maquiagens bem feitas pelas próprias instituições que nos convidam para cá. Ainda assim, saiba que a comunidade brasileira aqui presente trabalha constantemente, junto aos órgãos responsáveis de ambos os países, para que o marketing seja mais leve, mais puro e mais informativo. Mas a questão permanece: de quem é a culpa?
Na minha visão, a culpa não é de ninguém além da intolerância, da resistência ao novo, da ignorância por escolha — tanto de brasileiros quanto de portugueses — e da irresponsabilidade de todos na disseminação de informações sobre imigração, seja para imigrantes ou sobre os imigrantes que aqui vivem. Por isso, celebro canais como o Diário de Notícias Brasil, que hoje integra este artigo, como uma frente de combate contra a desinformação.
Sem apontar dedos, este texto serve como um alerta: sonhe, mas pondere. Imigre, mas prepare-se. Chore, mas levante-se. Sofra, mas não se feche ao país que escolheu viver. Informe-se, questione, estude — e, ainda assim, não será suficiente. Mas venha, mesmo com medo, pois há aqui uma comunidade, de ambas as nacionalidades, ansiosa por sua contribuição a esta nova e dinâmica realidade que Portugal oferece a todos que legalmente aqui estão.
*Luisa Cunha é advogada e imigrante brasileira radicada em Portugal há três anos. Coordenadora do Projeto "Duetos" e membro da equipa do FIBE, é pesquisadora nas áreas de direitos humanos, cooperação internacional e gestão de ONGs.