Opinião. Ainda Estou Aqui: de Braços Abertos para Portugal
Texto: Luísa Cunha*
Organizando as malas para regressar ao país onde escolhi criar raízes, mais uma vez me peguei adicionando na bagagem os saudosismos brasileiros que insisto em buscar também por lá. Entre pacotes de café, goiabada, esmaltes, orações para que os queijos não fiquem na alfândega e aquela nostalgia peculiar, venho tecendo a ideia de que a adaptação a um novo país exige um tipo de abraço que vai além do afeto e aceitação de grandes mudanças. É também sobre aceitar os pequenos detalhes.
Sem dúvidas, adaptar-se é um processo de constante ressignificação. Tenho amigos que se permitiram abraçar Portugal de maneira mais leve, mesmo diante de experiências difíceis. Eles abriram espaço para a cultura e os trejeitos portugueses e, em retorno, encontraram acolhimento. Então, penso que a reflexão aqui seja: nossa integração talvez tenha mais a ver com escolhas pessoais do que imaginamos. Nem sempre é fácil, e os milhares de pães de queijo horríveis que já provei por lá são testemunha, mas acredito que nos cabe tentar já que fizemos a opção de lá estar.
Quando me perguntam se vale a pena mudar para Portugal ou se gosto de viver lá, minha resposta é sempre "sim", seguido de um suspiro e complemento da ressalva “Mas não foi fácil e ainda não o é”. O que me passa sempre na cabeça neste momento de resposta é como um filme em câmera lenta, de uma cena onde um casal se encontra na estação e correm um em direção ao outro de braços abertos para se abraçarem e serem felizes. Estou nessa cena já há 3 anos - e vá lá dadas as burocracias portuguesas talvez não seja um tempo assim tão mal - mas ainda estou aqui (Viva Fernanda Torres!) correndo em câmera lenta e de braços abertos para Portugal.
Demorei a começar a correr em direção ao abraço, confesso, pois penso que ao nos mudarmos temos um certo medo de adotar novos costumes. Para além dos enrijecimentos causados pelos inegáveis momentos de xenofobia vividos, soma-se um receio intrusivo de esquecer as origens. Receio este, diga-se de passagem, já provamos ser impossível somente pelos acontecimentos da última semana, quando brasileiros de todo o mundo festejaram como o nosso hexa (que Deus o tenha, pois ainda não o vimos chegar) o Globo de Ouro. Mas nos tornamos como crianças acuadas, em busca dos mimetismos de nossa terra. E vejam bem, quem nunca correu ao continente por um pacote de farofa ou tapioca que atire a primeira pedra! Não estamos aqui para julgar. Mas, talvez nos caiba entreter a ideia de que cultura não é substituível, é agregável. Se ambos estivermos correndo para o abraço, mais rápido a cena se passa.
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E foi por isso que me comprometi a praticar em 2025 a política de braços abertos. Uma boa política, como tantas outras também divulgadas pelas autoridades portuguesas quanto à imigração, mas que sabemos não é de fácil aplicação para nenhuma das partes. Em uma reunião de relatos de colegas e conhecidos imigrantes que encontrei pelo caminho, a conclusão que tenho é: o abraço é demorado não só pela resistência que criamos pelos grandes acontecimentos que avassalam nossas relações com Portugal até às pequenas escolhas, como uma ida ao mercado. Mas também porque quando escolhemos imigrar sabíamos que enfrentamos desafios, mas acredito que nunca esperamos nos sentir tão indesejados. E essa sensação é consenso, e dói.
Dói porque escolhemos Portugal como a terra onde construiremos nossa história, e os dados mais recentes sobre imigração refletem esse movimento de construção. A faixa etária dos brasileiros que escolhem Portugal tem entre 20 e 40 anos, período da vida em que se moldam carreiras, se constroem famílias e se realizam sonhos. Somos uma geração de trabalhadores e estudantes que, ao buscar melhor qualidade de vida, contribui para o crescimento do país onde estamos.
Este cenário de busca por melhorias sociais e o desejo de contribuir para o desenvolvimento deveria acelerar nossa corrida ao abraço. Insistimos, todavia, a cada escolha por ambos os lados em pausar o filme. Do lado português, os números de imigração assustam e sabemos, mas não somos apenas números, somos força produtiva, intelectual e cultural. Do lado de cá, talvez nos caiba assumir o controle e adotar este pequeno segredo para encontrarmos a verdadeira integração nos pequenos detalhes, nos gestos diários.
Afinal, é nesses momentos que nos permitimos compreender o novo país sem perder de vista nossas raízes, e quiçá o exercício da escolha entre produtos locais no mercado seja o primeiro passo para nos sentirmos parte de uma nova comunidade. Ao longo desse caminho, temos que ambos os lados estarem dispostos a abrir mão de julgamentos precipitados e acolher o desconhecido. Afinal, ao abraçar essas sutilezas, encontramos mais do que o simples respeito ao novo: encontramos uma integração verdadeira.
Fato é: os brasileiros querem estar ai, com ou sem os queijos da Canastra. Estamos, cada vez mais, criando raízes em solo português, enquanto esperamos que os portugueses também nos encontrem de braços abertos. Não é uma tarefa unilateral. Se a imigração é um exercício de resiliência, ela também exige acolhimento. Portanto, seguirei esta semana de volta às terras lusas, com a mala cheia de sonhos e contrabandos inofensivos, com o coração disposto a aceitar os detalhes e fazer de coadjuvante os personagens de braços cruzados e com a esperança de construir um futuro em que, ao olhar para trás, possa dizer com orgulho que ainda estou aqui (em Portugal) – e que valeu a pena.
*Luisa Cunha é advogada e imigrante brasileira radicada em Portugal há três anos. Coordenadora do Projeto "Duetos" e membro da equipa do FIBE, é pesquisadora nas áreas de direitos humanos, cooperação internacional e gestão de ONGs.