Opinião. A conta chega antes do título de residência o paradoxo fiscal dos imigrantes em Portugal
Texto: André Lima*
Portugal vive hoje um paradoxo desconcertante. De um lado, há um Estado cada vez mais exigente na arrecadação de impostos pagos por cidadãos estrangeiros. De outro, impõem-se a esses mesmos contribuintes obstáculos que dificultam, ou mesmo impedem, sua plena regularização fiscal e legal no país.
A recente postura da Autoridade Tributária (AT) é um exemplo claro dessa incoerência. Muitos imigrantes que iniciam uma atividade independente, abrindo recibos verdes para trabalhar legalmente, são surpreendidos com a recusa da Administração Fiscal em atribuir-lhes a morada fiscal portuguesa. Ainda que já vivam, trabalhem e contribuam efetivamente no país, o sistema bloqueia o seu reconhecimento como residentes fiscais. Essa condição, vale lembrar, segundo os padrões internacionais da OCDE (dos quais Portugal é signatário), é cumprida quando a pessoa permanece mais de 183 dias por ano em território nacional, estabelece aqui a sua morada habitual ou laboral.
Sem o reconhecimento formal da morada fiscal, esses imigrantes ficam impedidos de tributar corretamente os seus rendimentos. Não podem aplicar a tabela progressiva do IRS, não têm acesso às deduções legais nem aos benefícios fiscais. Na prática, são taxados de forma fixa, à razão de 25% sobre tudo o que recebem, como se fossem não residentes, ainda que vivam e trabalhem exclusivamente em Portugal.
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Além disso, passou a ser exigida a emissão de faturas com IVA desde o início da atividade, mesmo para quem está a dar os primeiros passos no país. Antes, o trabalhador independente beneficiava de uma isenção no primeiro ano de atividade, desde que o rendimento anual não ultrapassasse determinado limite. Essa regra permitia que muitos imigrantes iniciassem legalmente sua atividade com menor carga fiscal. Hoje, no entanto, se o contribuinte não tem a morada fiscal reconhecida em Portugal, ele é automaticamente excluído da isenção. Resultado: é obrigado a emitir todas as faturas com IVA, desde o primeiro dia, aumentando diretamente a arrecadação do Estado, mas sem o devido respaldo jurídico ou tributário que qualquer outro residente teria.
O resultado é alarmante: um imigrante que trabalha, paga impostos, emite faturas e contribui economicamente para o país, mas que é sistematicamente impedido de ser tratado como residente. Contribui como um cidadão, mas continua à margem do sistema.
É difícil encontrar coerência numa política que cobra deveres, mas não assegura os direitos correspondentes. Ainda mais quando se propaga a ideia de que há um excesso de imigração e um alegado aproveitamento do sistema. A realidade é que muitos desses estrangeiros sustentam, com o próprio esforço, a estrutura fiscal que os exclui.
Se Portugal deseja manter sua imagem de país acolhedor e competitivo no cenário internacional, precisa urgentemente repensar o tratamento fiscal dado aos imigrantes. Não basta arrecadar. É preciso reconhecer, integrar e respeitar quem ajuda a fazer este país crescer.
*André Lima é advogado, pósgraduado em Finanças, Reestruturação e Contencioso Corporativo pela Universidade Católica Portuguesa, e pós-graduando em Direito Internacional, Imigração & Migração pela EBPÓS.