Texto: Thiago Soares*Portugal tem afirmado publicamente o seu compromisso com uma política migratória regulada e humanista, que privilegia a legalidade como caminho de integração. No entanto, a prática consular nos países de origem — em especial no Brasil, maior comunidade estrangeira residente em território português — revela uma realidade que não combina com esse propósito.Os consulados gerais de Portugal em território brasileiro, bem como a empresa intermediária VFS Global, responsável pela recepção inicial dos pedidos de visto, têm sido alvo de duras críticas por parte dos requerentes e especialistas em Direito Migratório. O grande problema está em um processo que se mostra lento, caro, confuso e cheio de exigências que muitas vezes vão além do que a própria lei portuguesa determina.A título de exemplo, é recorrente a imposição da apresentação de comprovativos de alojamento já pago, o que — segundo o próprio site do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e o ordenamento jurídico em vigor — não constitui requisito legal obrigatório. A Lei n.º 23/2007, em sua versão consolidada, no artigo 77.º, exige, para a concessão de autorização de residência temporária, a posse de meios de subsistência e alojamento, o que pode ser comprovado por meio de declaração das condições de estada prevista, conforme disposto no site do MNE nos pré-requisitos para emissão de vistos, ou, no caso de requerentes brasileiros, por termo de responsabilidade — sem exigir pagamento antecipado de hospedagem.Tal exigência representa um claro desvio interpretativo que compromete a segurança jurídica dos requerentes, muitos dos quais não conseguem comprovar o alojamento pré-pago em razão dos atrasos no processo consular, ficando sujeitos a prejuízos financeiros e pessoais justamente por terem seguido o caminho legal.Outra incoerência se verifica no tratamento dado aos vistos para estudo de qualificação profissional com duração de 15 meses, que, embora preencham os critérios legais para concessão de visto de residência, têm sido indevidamente classificados como vistos temporários de curta duração (365 dias). Inclusive, há relatos de que o próprio consulado convoca os requerentes para audiências presenciais com o objetivo de informar essa limitação diretamente, de forma oral e coercitiva, pressionando-os a aceitar essa classificação inadequada. É informado ao requerente que, para conseguir concluir o curso de 15 meses, deverá entrar em território português e, já em solo nacional, procurar a AIMA para solicitar prorrogação do visto.Tal conduta, além de administrativa e juridicamente questionável, é incompatível com a finalidade do visto solicitado. O requerente deve sair do seu país de origem já com o visto adequado à duração integral do curso — ou superior — garantindo a legalidade da sua permanência desde o início. Esse tipo de visto deve ser corretamente enquadrado como visto de residência, dada a sua natureza e finalidade.Mais ainda: o artigo 122.º, alínea o) da Lei n.º 23/2007 prevê expressamente a possibilidade de renovação da autorização de residência e posterior alteração para fins de trabalho subordinado ou independente, desde que o requerente comprove a conclusão do curso de formação profissional. Isso reforça, juridicamente, que o percurso natural deste tipo de estudante é o da residência legal, com plena integração no mercado de trabalho português.Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!No plano prático, o cenário permanece alarmante: processos físicos de mais de 70 páginas são entregues à VFS, que cobra taxas significativas e transfere a documentação ao consulado. A análise consular frequentemente ultrapassa 180 dias, o dobro do prazo legal de 90 dias, sem que haja resposta oficial, canal de informação ou mecanismo de acompanhamento eficaz — sendo que muitos requerentes reportam falhas no serviço prestado pela VFS Global. Tal morosidade, somada a pendências administrativas muitas vezes aleatórias e infundadas, resulta não apenas em frustração, mas também em prejuízos financeiros, emocionais e jurídicos para quem optou pela via legal — ironicamente, o caminho mais tortuoso.O Governo português já anunciou publicamente que pretende reforçar o capital humano nos postos consulares, numa tentativa de responder à crescente demanda. Contudo, até ao momento, essas promessas não se materializaram de forma concreta.De forma mais direta, o que se vê é um sistema que não cumpre seus próprios prazos, exige documentos que a lei não prevê e ainda trata mal quem tenta fazer tudo certo. É difícil acreditar na promessa de legalidade migratória quando o processo para alcançá-la se torna quase impossível.Assim, cabe questionar: qual é, de fato, o modelo de política migratória que Portugal pretende implementar? Uma que incentive a entrada legal, estruturada e integrada — ou uma que, na prática, inviabiliza sistematicamente esse caminho e empurra os imigrantes para alternativas informais?A distância entre o discurso oficial e a vivência real dos requerentes precisa ser urgentemente encurtada. Se essa diferença continuar, a legalidade migratória corre o risco de permanecer apenas como um ideal bonito no papel — mas inalcançável na prática.*Thiago Soares advogado especialista em Direito Migratório e fundador da comunidade "Portugal é Nóis"..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Opinião. Portugal quer atrair cérebros, mas amarra até os seus.Opinião. O Governo tenta reescrever sua própria história com o alvo nos imigrantes