"O clima de tensão e discórdia cresce dia a dia, mas não se sustenta em dados reais, e sim nas falácias espalhados internet à fora".
"O clima de tensão e discórdia cresce dia a dia, mas não se sustenta em dados reais, e sim nas falácias espalhados internet à fora".Foto: Unsplash

Opinião. Entre a retórica política e a repercussão social, o que é verdade na imigração de brasileiros aqui?

"Se eu precisar criar um inimigo para o país assim o farei: chama-lo-ei de imigrante, ensinarei o povo a odiá-lo, enriquecerei minha base eleitoral, enquanto isso ninguém prestará atenção à superficialidade das minhas propostas".
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Texto: Priscila S. Nazareth Ferreira

Cerca de 10.000 negócios em Portugal são geridos por brasileiros, que alimentam 26,2% do mercado. Os brasileiros lideram essa fatia do empresário estrangeiro, ficando à frente dos imigrantes chineses, que sustentam o segundo lugar. A geração de riqueza e empregos dessa classe de estrangeiros representa quase 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Isso porque 38 bilhões de euros é o percentual do PIB estrangeiro, sendo que, como dito acima, 26,2% são de empresas de origem brasileira.

Assim, considerando que o PIB de Portugal é de 264 mil milhões, a faixa destacada ao Brasil é de 3,74%. Parece pouco? Pergunte a qualquer economista e ele vai te mostrar o quanto esse pequeno número faz diferença no saldo das contas. E ainda sobre números, a contribuição para a previdência social portuguesa de imigrantes de nacionalidade brasileira foi de 1.033 bilhões no ano de 2023 e de 1,374 bilhões em 2024.

Quanto ao trabalhador nacional, ou seja, o português, a contribuição foi respectivamente 7,5 bilhões e 8,3 bilhões respectivamente nos anos de 2023 e 2024. Acredita-se que a população de brasileiros em Portugal seja de aproximadamente 700 mil pessoas, sem dupla nacionalidade, apesar do último dado disponível ser de 2023, e haja um conflito de números entre a AIMA e o Instituto Nacional de estatística (INE).

E se eu lhe disser, caro leitor, que o brasileiro usa apenas 18% do que contribui para a segurança social, gerando um saldo positivo de 82%, enquanto que o português consome 66,5%, deixando um saldo positivo de apenas 33,5% nos cofres da segurança social? Essa conta tem por base o orçamento do Estado, excluindo o que o próprio Governo investe na segurança social, considerando tão somente o que é gerado pelas contribuições dos trabalhadores e das empresas de ambas as nacionalidades.

População carcerária

Hoje existem 450 indivíduos presos em Portugal que têm nacionalidade brasileira, frente a uma população de 10.324 presos nacionais (dados divulgados pelo Jornal Correio Braziliense em 2024), e 1586 de outras nacionalidades. Numa proporção absoluta, pode-se afirmar que o brasileiro representa 3,6% da população prisional. Já o português representa 86,3%. E os demais 10,1% soma-se às diversas nacionalidades.

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Outro aspecto de grande relevância, é que no global da população hoje no país, o brasileiro atinge 1,2 milhões de pessoas, porque cerca de 500 mil brasileiros têm também a nacionalidade portuguesa, e ainda uma faixa não identificada de nacionalidade de outro país da União Europeia (UE), dado esse que sequer é considerado nas pesquisas.

Ocupando 11,79% da população residente em Portugal, poderia se supor que a proporcionalidade no cárcere seria equivalente. Mas tal não acontece, evidenciando que, apesar de ser a maior nação imigrante no país acaba por ocupar o menor lugar entre o índice de criminalidade.

E se o brasileiro votar com seus 1,2 milhões de votos?

Com toda certeza esses números não agradam a comunidade portuguesa, que vocifera nas redes sociais todo o ódio contra os imigrantes brasileiros, alimentando o estranhamento entre as culturas e uma quebra de decoro nas mais variadas classes sociais. O clima de tensão e discórdia cresce dia a dia, mas não se sustenta em dados reais, e sim nas falácias espalhados internet à fora, certamente para servir a uma agenda política que visa a uma só coisa: "ocupar um lugar de privilégios consagrados" e quando lá chegar fará muito pouco pelo crescimento de Portugal.

Assim são os extremos quando abocanham o poder. O único propósito é o de lá permanecer. Portanto, se eu precisar criar um inimigo para o país assim o farei: chama-lo-ei de imigrante, ensinarei o povo a odiá-lo, enriquecerei minha base eleitoral, enquanto isso ninguém prestará atenção à superficialidade das minhas propostas e políticas. Porque dei ao povo uma "paixão" e essa paixão é o que sempre moveu as massas, desde a mais antiga das sociedades.

Debater ideias, números, contexto histórico, evidências concretas, pra que? Se isso me desvia da minha estratégia vou apenas dizer que é tudo "fake news". Do outro lado à esquerda a mesma coisa, vou demonizar o capital, criar inimizade entre as classes sociais e fazer o pobre odiar o rico só porque sim. Nada de gerar riqueza. O que importa é redistribuir, sem no entanto alimentar o desenvolvimento econômico pelo trabalho, e sim com apoio sociais a todos, como a farra do RSI. Assim garanto minha posição de poder ao distribuir migalha aos famintos.

As eleições autárquicas estão à porta. E os dados também. Antes de comprar a história do lobo mal, tanto de um lado como do outro lembrem-se que na vida real não se tem um caçador para salvar a vovózinha. Vote com consciência! Apesar do voto não ser obrigatório, exercê-lo nesse contexto pode definir o que será a política do país nos próximos anos. E se você como eu, ama Portugal, cuide dele!

*Priscila S. Nazareth Ferreira é advogada de Direito Internacional Privado a serviço da imigração.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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