Opinião. A Arte, uma bela companhia do imigrante
Texto: Cristina Fontenele*
Entre os muitos aspectos que valorizo em Portugal, a multiculturalidade artística está no topo da lista. A arte, em suas diversas expressões, tem sido uma bela companhia e me inspirado a aprofundar o olhar para a vida, a desenvolver a curiosidade. Como bem escreveu o poeta Ferreira Gullar, “A arte existe porque a vida não basta”.
Para o imigrante, sobretudo, a arte pode ser esse espaço de liberdade, encontro e partilha. Um palco que revela o corpo, narra uma história e promove inclusão social. Traz à tona o que, muitas vezes, é silenciado, mas que alguém ousou contar, dar forma - luz, cores e sombras, gerando inquietação e também encantamento.
Seja pelo teatro, música, cinema, literatura, dança, pintura, percebe-se a presença de múltiplas tradições culturais coexistindo nas terras lusitanas. Vozes de origens diversas vão reivindicando cada vez mais espaço e lugar de fala, porque a arte reflete contextos sociais e culturais, evidencia identidades. Ela nos convoca a questionar conceitos e a experimentar o novo.
Quantas vezes já saímos de uma apresentação artística embevecidos ou instigados a agir? Quantas vezes pensamos que aquela obra dialoga com nosso momento, com nossos desafios, e que é preciso mudar o estado das coisas?
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Um exemplo de convergência cultural são os inúmeros espaços em Lisboa, como o coletivo NowHere, fundado em 2018 pela curadora Cristiana Tejo e pela artista Marilá Dardot, ambas imigrantes brasileiras. O local promove exposições, cursos, palestras, performances e residências, atraindo um público de vários países.
Segundo Cristiana, o meio artístico em Lisboa tem se intensificado, ganhando novos contornos, o que está muito relacionado aos imigrantes, especialmente os brasileiros devido serem o maior contingente. A curadora iniciou uma pesquisa recente para observar o impacto da imigração no ecossistema artístico, principalmente nas artes visuais. Ela já percebeu o poder de transformação da arte. “Um espaço como o NowHere gera integração, muita gente saiu amigo, colaborador, formou duplas, grupos de trabalho, o que gera também uma espécie de profissionalização”, avalia Cristiana.
A arte pode ser uma ponte. Diante de tanta intolerância, ela vem oferecer uma linguagem alternativa que sensibiliza. Inúmeros festivais estimulam a convivência com outras formas de pensar. É o caso da literatura, que tem proporcionado colóquios significativos entre escritores de várias nacionalidades, mostrando que as histórias são fonte de conexão desde o início dos tempos.
A arte pode ser memória. Quando um artista lança sua voz, ergue-se com ele toda a ascendência, heranças e lendas. E a gente sorve um pouco daquela cultura e fica mais rico por dentro e bonito por fora.
A arte também cria laços. Tenho uma amiga paulista que conheceu seu companheiro italiano nos forrós da Avenida da Liberdade. A dança os uniu em um ritmo de descoberta e contentamento. Desde então, seguem em dois pra lá, dois pra cá, no mesmo compasso, criando o próprio enredo.
E para você, a arte tem sido companhia?
*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.