Opinião. A solidão do imigrante
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Opinião. A solidão do imigrante

"A solidão do imigrante é uma visita inesperada. Chega sem avisar no finalzinho da tarde, nas datas especiais, aos fins de semana ou nas emergências de saúde"
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Texto: Cristina Fontenele*

Você tem muitos amigos no seu país, é acostumado a encontrar-se em cafés ou happy hour, jantar na casa de fulano, marcar um almoço no domingo. Nada muito elaborado, reuniões despretensiosas, mas que injetam ânimo na rotina. E, em um sábado qualquer, acorda imigrante, quer fazer uma programação bem comum e se apercebe que não tem quem convidar. Então, escolhe ir sozinho e puxar conversas com desconhecidos ou tomar um café em videochamada com sua amiga de infância. 

A solidão do imigrante é uma visita inesperada. Chega sem avisar no finalzinho da tarde, nas datas especiais, aos fins de semana ou nas emergências de saúde, quando alguém de boa vontade empurra sua cadeira de rodas no hospital, porque você torceu o tornozelo e mais uma vez está sem acompanhante no atendimento.

Alguns leitores podem dizer que é fácil criar laços em outro país, que a pessoa é que se isola por vontade própria. Outros poderão atestar que as relações recém-cultivadas são consequência da necessidade e não propriamente da afinidade. “Não rimos das mesmas piadas, não temos os mesmo valores”, há quem justifique. E aí entramos no dilema de como fazer amigos depois de adultos. 

Um exame preliminar: Temos sido uma boa companhia para nós mesmos? Você se escolheria como amigo? 

Os especialistas em relacionamento sugerem estratégias para atrair amigos na vida adulta:

  1. Conheça a si mesmo, entenda seus limites e preferências.

  2. Perceba o que procura nas amizades.

  3. Frequente lugares que gosta para encontrar pessoas afins.

  4. Demonstre interesse e reciprocidade para com os outros.

  5. Aproveite as oportunidades ao redor para ampliar seus contatos.

A maturidade vem trazer mais discernimento sobre onde e em quem investir nosso escasso tempo e preciosa energia. Muito se falou nos últimos dias que as amizades de “baixa manutenção” são as verdadeiras e melhores. Há quem defenda ou conteste. Entretanto, para que algo cresça, é preciso um mínimo de atenção e condições adequadas de ambiente e recursos. Com as plantas, por exemplo, nem os cactos passam ilesos aos descuidos. Posso provar.

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Segundo conceitua o Sistema Nacional de Saúde (SNS), a solidão é um sentimento subjetivo que está relacionado com ausência de contato, de senso de pertença ou com a sensação de se estar isolado, podendo interferir na qualidade de vida das pessoas. A jornada imigrante passeia por esse caminho tortuoso que é a busca pelo pertencimento, não sem algumas encruzilhadas de solidão.

O isolamento pode ter impacto negativo na saúde mental, dizem os estudos, enquanto manter uma vida social ativa ajuda no bem-estar emocional. Há casos em que a falta de envolvimento com a comunidade ou com o mundo exterior exige intervenção especializada. Tem sido uma questão preocupante, sobretudo, em relação a esta nova geração de nativos digitais. Mas, enquanto imigrantes, estamos condicionados a nossa bolha ou abertos à interação?

No livro “Apontamos ao amor e acertamos na solidão”, a psicanalista Ana Suy explica que a solidão tem sido pensada como uma patologia a ser eliminada, como se ser solitário não fizesse parte da nossa condição humana. Entretanto, “em última instância nunca estamos sozinhos, mas sim conosco próprios (...), estamos sempre, em algum nível, com o nosso superego.”, destaca a autora.

Ao contrário de algumas vertentes que diferenciam a palavra solitude como um ato consciente de estar sozinho e um momento de maior conexão consigo mesmo, Ana Suy prefere restituir o que denomina dignidade da palavra solidão. Para a psicanalista, é atribuído um conceito romântico à solitude como um campo da solidão livre de sofrimento. No entanto, ela entende que a solidão pode englobar ambas as manifestações: um estado meditativo e de contentamento, o desamparo e a angústia.

Ao longo de quase sete anos como imigrante, percebo que desenvolver a força interior para lidar com as adversidades é um ir e vir de descobertas e aprendizados. Há tempos de expansão e mais convívio social, outros de maior recolhimento e solidão. Fortalecer a autonomia tem me ajudado a caminhar mais serena. 

É claro que há dias menos favoráveis, onde a solidão ressoa o desamparo. Nestes, ouço mais alto uma das várias playlists que tenho criado para conviver com a solidão. Como diz a música de Paulinho Moska: “E tudo que foi dor um dia, no outro dia será dia de continuar (...) Tudo o que acontece de ruim é para melhorar”.

Como você tem atravessado os períodos de solidão?

*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil. 
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