Texto: Cristina Fontenele*O ano é 2025 e parece que continuamos na missão dos antepassados de colonizar o outro sob diferentes formas e sutilezas. Acontece quando um diálogo torna-se desavença e queremos sobrepor nossa opinião, quando reduzimos argumentos a insultos e acusações, ou até por meio de conselhos não demandados vestidos com a promessa de “eu quero te ajudar”. Sobre o relacionar-se, paira o impulso quase invisível de nos impor e termos sempre razão. Mas quando discordar virou o equivalente à inimizade? Quando conviver passou a ter como pressuposto o “só te aceito se seguir as minhas regras ou pensar como eu”? Segundo o dicionário, o verbo colonizar pode significar instalar-se, propagar-se em determinada área, exercer domínio sobre (país, território, povo). Tem a conotação de invadir, ocupar, alastrar-se por (área, terreno). Quanto aos sinônimos, o verbete pode ser substituído ainda por: habitar, ocupar, povoar.Será que sabemos tão bem o que é melhor para a vida da outra pessoa a ponto de propagar nossas certezas, invadir suas dúvidas, ocupar seus receios com nossas soluções? No mundo polarizado e de virtualidade sobram pitacos e falta empatia.Na vida do imigrante não é diferente. Há uma linha tênue entre conciliar a própria cultura com a da nova terra sem configurar desrespeito ou revide. É um terreno com irregularidades, desníveis, que precisa de acordos para criar alicerces. “Lá no teu país pode agir como quiser, aqui não!”, entoam alguns cidadãos. “Vão ter que me aceitar do jeito que eu sou.”, contestam alguns imigrantes. Se coexistir entre conterrâneos é desafiador, imagine em um ambiente multicultural como o de países que abrigam várias nacionalidades.Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!Os pesquisadores Guo-Ming Chen e William J. Starosta criaram um instrumento chamado Escala de Sensibilidade Intercultural (ISS) que se refere ao "desejo ativo dos sujeitos de se motivarem para entender, apreciar e aceitar as diferenças entre culturas". A ferramenta é aplicada em vários estudos que analisam as relações em ambientes multiculturais como empresas e instituições de ensino. A ISS consiste em uma escala de 24 itens com cinco fatores: engajamento de interação; respeito às diferenças culturais; confiança na interação; prazer de interação; e atenção à interação. O quesito engajamento pode aferir, por exemplo, se ao conversar com uma pessoa de outra cultura, procura-se demonstrar compreensão por meio de sinais verbais ou não verbais. Entre as conclusões de algumas pesquisas que utilizam a ISS está a observação de que quem apresenta mais experiência com o internacional e o multicultural tem uma sensibilidade intercultural mais alta. Ou seja, conviver com o diverso, supostamente, nos tornaria mais tolerantes e abertos. Entretanto, a vida prática nem sempre confirma a teoria. Em uma breve autoavaliação, o diferente é motivo de curiosidade ou repulsa? Desperta a vontade de querer dominar ou de aprender?O escritor José Saramago há tempos já nos oferece uma reflexão: “Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonizar o outro”. Se trocarmos imperativos por interrogação, monólogo por escuta, será que aumentamos nossa capacidade de dialogar e de enxergar o outro? Vale o experimento.*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil. .Opinião. Quanto tempo a gente leva para se adaptar?.Opinião. “Vocês, brasileiros, sabem tudo”