Leandro Ramos e Gabriela Barros em cena de "O Cobrador de Fraque"
Leandro Ramos e Gabriela Barros em cena de "O Cobrador de Fraque"Gerardo Santos

"O Cobrador de Fraque": nova produção luso-brasileira explora choque cultural e imigração em Lisboa

Filme coproduzido por Brasil e Portugal, com elenco misto e locações emblemáticas na capital portuguesa, deve estrear entre o fim de 2024 e o início de 2025; o DN Brasil acompanhou as rodagens.
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Lisboa virou palco para as filmagens de O Cobrador de Fraque, nova comédia de ação que mistura humor e reflexão sobre identidade, imigração e os contrastes entre Brasil e Portugal. A produção, que encerra suas gravações nesta quinta-feira (4), é uma coprodução entre a portuguesa Ukbar Filmes (de Rabo de Peixe) e a brasileira Gullane (Senna), com direção de Tomás Portella (ImpurosCarga Máxima).

O DN Brasil acompanhou um dos últimos dias de rodagem no Cinema São Jorge e conversou com o diretor, o diretor de fotografia André Modugno e o protagonista Leandro Ramos (Choque de Cultura, Porta dos Fundos) sobre o projeto, que pretende dialogar com os dois lados do Atlântico.

Um agiota carioca em Lisboa

A trama acompanha Peri (Leandro Ramos), um cobrador de dívidas do Rio de Janeiro que, após um erro profissional, é obrigado a fugir para Lisboa. Por aqui, Peri descobre uma empresa de cobrança peculiar: em vez de ameaças físicas, os funcionários - vestidos de fraque -seguem os devedores por toda a cidade, os constrangendo até que paguem.

O choque entre os métodos brutais do brasileiro e a "elegância" portuguesa gera situações cômicas, mas também abre espaço para uma transformação pessoal. "O filme é sobre um cara que vivia numa realidade muito restrita, violenta, e descobre outras possibilidades de vida", explica Portella, que desenvolveu o argumento inicial em 2016. "Tem humor no deslocamento cultural: ele chega aqui e pensa ‘Isso é um sonho pro cobrador’. Enquanto no Brasil ele precisa correr, dar tiro, aqui basta uma ameaça leve para o devedor entrar em pânico".

O diretor Tomás Portella
O diretor Tomás PortellaGerardo Santos

A inspiração veio de uma prática real que existiu em Portugal até 2008, apresentada ao diretor pelo produtor Fernando Zagallo. "É uma história que nasceu meio por acaso", conta Leandro Ramos. "O Zagallo conversando com um amigo português descobriu essa profissão dos cobradores de fraques - algo meio sui generis, né? Enquanto no Brasil temos a figura violenta dos agiotas, aqui era um cara de fraque, quase um mímico, um clown, que cobrava por esse constrangimento de seguir o devedor", diz Ramos, que vive o protagonista.

O roteiro de O Cobrador de Fraques foi escrito por Clarice Falcão (Porta dos Fundos) e pelo português Mário Cunha (Espias), mesclando referências que devem ressoar em ambos os países e que foge dos clichês. "É uma mistura entre brasileiro e europeu", define Portella, mas "não aquela comédia física ou de piadas prontas".

Segundo o diretor, a obra tem traços de aventura, ação e romance, mas, no fundo, é uma comédia de situação - justamente sobre como um brasileiro 'fora de situação' se vira em Lisboa". O diretor acredita que o tema da imigração será um gancho natural: "O público brasileiro em Portugal vai se identificar, mas de um jeito engraçado, não óbvio. Não queremos que o foco seja a variedade linguística, por exemplo, isso é algo que já foi feito", complementa.

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Com um elenco que inclui nomes como os brasileiros Marcos Caruso e os portugueses Gabriela Barros e José Pedro Gomes, a produção também reflete a crescente integração cinematográfica entre os dois países. Das 45 pessoas na equipe, apenas sete são brasileiras — incluindo Modugno, que já morou em Lisboa nos anos 1990 e se surpreendeu com as mudanças: "Uma outra cidade, turismo muito massificado, o que por um lado é bom: era uma cidade muito mais largada nos anos 90, por outro também perde um pouco da identidade. Andar na rua aqui no centro hoje é ouvir alemão, francês, inglês, português do Brasil... É outra cidade", define.

O diretor de fotografia André Mondugno
O diretor de fotografia André MondugnoGerardo Santos

Para o diretor de fotografia, captar a essência visual de Lisboa exigiu uma inesperada paciência: "Foram três semanas de chuva consecutivas, algo que nem os portugueses lembravam de ter visto", brinca Modugno. Mas quando o sol finalmente apareceu, valeu a pena: "A luz daqui é maravilhosa, compensou toda a espera". As locações, como o Castelo de São Jorge e a Calçada da Bica, ganharam vida sob essa iluminação natural, tornando-se quase personagens da obra.

Ramos, que está em Portugal pela primeira vez, destaca a troca com os colegas lusos e o choque cultural que pôde ser transmitido para o personagem que interpreta: "Trabalhar com ícones como a Marina Mota, a Gabriela Barros ou o Zé Pedro Gomes me fez sair da zona de conforto. Até o ‘foda-se’ português, que é mais uma vírgula do que ofensa, eu já adotei". O ator brinca que quer "institucionalizar" a expressão no Brasil e não descarta novos projetos no país: "Saio daqui um ator melhor, espero que surjam projetos futuros e que dê par fazer o caminho inverso e também levá-los para produções no Brasil".

Leandro Ramos e Gabriela Barros
Leandro Ramos e Gabriela BarrosGerardo Santos

O Cobrador de Fraques recebeu apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) de Portugal, da RTP e do PIC Portugal. num modelo que Portella define como "verdadeira coprodução, não apenas serviço de produção", no qual destaca o papel da produtora portuguesa Ukbar. A Gullane, que já levou Senna e O Menino e o Mundo ao Oscar, ficará encarregada da divulgação no território brasileiro.

O filme reforça a parceria entre Portugal e Brasil, consolidada em projetos de sucesso recente como Clube dos Anjos, Joaquim, Paloma, e Vazante. Outro projeto que está em andamento entre Ukbar e a Gullane é Escola Sem Muros, do consagrado diretor brasileiro Cao Hamburger.

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Já em Cobrador de Fraques, a imigração brasileira em Portugal é pano de fundo não só da história, mas da própria produção. "Fizemos questão de incluir portuguesismos no roteiro, como bengaleiro (cabide). Não queria que fosse um brasileiro falando como se estivesse no Brasil", diz Portella. Modugno reforça: "Somos países irmãos. Essa cooperação é vital para a lusofonia e esperamos que siga em futuros projetos. Não estou com a mínima vontade de ir embora", brinca.

O longa, com previsão de estreia para fim de 2025 ou início de 2026, deve circular em festivais antes de chegar aos cinemas — e, quem sabe, reforçar a ponte cultural que já une as duas margens do Atlântico.

Ramos é o protagonista do longa.
Ramos é o protagonista do longa.Gerardo Santos

Ficha técnica de O Cobrador de Fraque

Direção: Tomás Portella

Elenco: Leandro Ramos, Marcos Caruso, Gabriela Barros, Marina Mota, Marcello Melo Jr, Cassiano Carneiro, Miguel Thiré

Coprodução: Ukbar Filmes (Portugal) e Gullane Entretenimento (Brasil)

Apoio: ICA, RTP, PIC Portugal

Filmagens: Janeiro a abril de 2025 em Lisboa, Sintra e Torres Vedras

Previsão de estreia: entre o final de 2025 e o início de 2026

nuno.tibirica@dn.pt

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicado à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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