O advogado brasileiro André Lima responde, todas as semanas, a uma dúvida dos leitores e leitoras do DN Brasil sobre imigração. A pergunta desta semana vem de uma leitora que resume bem a sensação de muitos imigrantes: tentar viver dentro da lei em Portugal, mas perder-se num labirinto de regras pouco claras sobre meios de subsistência.Ela e o companheiro, ambos brasileiros, tiveram manifestação de interesse, obtiveram autorização de residência CPLP e, na altura da renovação presencial, já não tinham atividade aberta em Portugal. Cada um passou a viver com rendimentos do Brasil. Em ambos os casos, com valores acima do mínimo exigido. Mesmo assim, os pedidos foram indeferidos pela AIMA por falta de comprovativos de subsistência. A dúvida é direta: se o valor está acima do mínimo, por que é que a AIMA recusa? O problema é a mudança da situação de trabalho, o fato de o rendimento ser estrangeiro ou a falta de declaração desses rendimentos no IRS em Portugal?Vamos por partes.Quem define os meios de subsistência?A regra central não está numa circular da AIMA nem numa “orientação interna”. Quem define o que são meios de subsistência, e em que montantes, é a Portaria n.º 1563/2007, de 11 de dezembro. É esta Portaria que:• Fixa o conceito de meios de subsistência para efeitos de entrada, permanência, concessão e renovação de autorizações de residência.• Define os valores mínimos que o estrangeiro deve comprovar, por referência ao rendimento mínimo em Portugal.A Lei de Estrangeiros exige, na renovação de qualquer autorização de residência, quatro coisas em simultâneo:1. Meios de subsistência suficientes, estáveis e regulares.2. Alojamento adequado.3. Situação regular perante a Autoridade Tributária e, quando aplicável, perante a Segurança Social.4. Ausência de condenações penais graves.A Portaria n.º 1563/2007 é, por assim dizer, a base que a AIMA vai usar para conferir se, na forma e em termos numéricos, o requerente cumpre os meios de subsistência.Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsAppRendimentos do estrangeiro na renovação: onde entra o IRSAqui está o ponto sensível que costuma gerar indeferimentos. Na prática, o normal é a AIMA pedir comprovativos de rendimentos em Portugal: contrato de trabalho, recibos de salário, recibos verdes, declaração de IRS com rendimentos cá, entre outros. É o cenário mais simples, porque a informação que o requerente apresenta à AIMA coincide com aquilo que aparece no Portal das Finanças.Mas a lei não diz que os meios de subsistência têm de vir obrigatoriamente de Portugal. O que a lei pretende é que a pessoa, para viver aqui, tenha meios suficientes e esteja regularizada fiscalmente.Se, na renovação, o requerente pretende apresentar meios de subsistência provenientes do estrangeiro, por exemplo:• Pensão paga no Brasil.• Salário de uma empresa brasileira, com trabalho remoto a partir de Portugal.• Rendimentos de trabalho independente auferidos fora do território português.Então dois requisitos tornam-se indispensáveis se quisermos construir uma defesa sólida:1. Os valores têm de estar declarados no IRS em PortugalSe a pessoa é residente fiscal em Portugal e vive aqui com rendimento do Brasil, esse rendimento, como regra, faz parte do seu rendimento mundial e deve constar na declaração de IRS, ainda que protegido por Convenção para evitar dupla tributação.Não declarar por medo de “pagar duas vezes” costuma sair caro, porque abre a porta a duas leituras desfavoráveis: - A AIMA entende que não existe prova fiscal coerente dos meios de subsistência apresentados.- A situação pode ser lida como indício de incumprimento das obrigações fiscais em Portugal.2. Os valores têm de estar disponíveis em Portugal e isso deve ser demonstradoNão basta dizer que recebe uma pensão ou um salário no Brasil. É importante mostrar que esse dinheiro chega, de forma estável, à sua vida em Portugal. Em termos práticos, isto faz-se por:- Extratos bancários dos últimos meses, evidenciando as transferências regulares do Brasil para uma conta em Portugal.- Documento da entidade pagadora (INSS, empresa, etc.) comprovando o montante anual e a natureza do rendimento.Só quando estes três pilares estão alinhados é que se consegue montar uma defesa consistente em caso de indeferimento: Portaria n.º 1563/2007 (valores mínimos) + IRS em Portugal (declaração dos rendimentos estrangeiros) + extratos bancários (prova de que o dinheiro está disponível em Portugal.Então o problema é ter rendimentos de fora?Na maioria dos casos, não. O problema não é o rendimento vir do Brasil. O problema é:• Mostrar à AIMA um conjunto de rendimentos estrangeiros para provar meios de subsistência.• E, ao mesmo tempo, constar no Portal das Finanças como “sem rendimentos” ou apenas com rendimentos antigos de Portugal.Ou seja, a informação que o requerente entrega em papel não conversa com a informação que o sistema mostra quando a AIMA consulta as bases de dados.Do lado de quem analisa o processo, aparece um cenário pouco coerente: a pessoa declara que vive de uma pensão ou salário do Brasil, mas perante a Autoridade Tributária portuguesa declara ano após ano “sem rendimentos”. Daí até concluir que não há meios de subsistência devidamente comprovados, ou que há incumprimento fiscal, é um passo curto.É possível renovar com rendimento do Brasil?É possível trabalhar uma renovação nestes moldes, sim, mas já não estamos no cenário simples. Estamos a falar de construção de defesa. Na prática, o caminho passa por:1. Regularizar o enquadramento fiscalRever o estatuto de residência fiscal e analisar, com apoio técnico, de que forma aquela pensão ou salário deve ser declarado em Portugal. A Convenção para evitar dupla tributação entre Portugal e Brasil existe precisamente para evitar que o mesmo rendimento seja tributado duas vezes. Em muitos casos, o imposto pago no Brasil pode ser abatido em Portugal ou o rendimento pode beneficiar de isenção parcial. O que não é compatível com a renovação da residência é viver aqui com esse rendimento e não o declarar.2. Preparar um dossier de meios de subsistência coerenteAqui entram: - Declaração de IRS onde constem esses rendimentos de fonte estrangeira.- Extratos bancários que mostrem as entradas regulares na conta em Portugal.- Documentos da entidade pagadora no Brasil (INSS, empresa, contrato de trabalho ou serviço).3. Explicar o enquadramento por escrito à AIMAUma boa carta explicativa é muito importante. Ela deve deixar claro que o requerente não exerce atividade em Portugal, que vive com rendimentos do estrangeiro, que esses rendimentos já se encontram devidamente declarados no IRS e que, pelos valores fixados na Portaria n.º 1563/2007, são suficientes para garantir a sua subsistência em Portugal.O normal, repito, é a AIMA pedir e esperar rendimentos gerados em território português. Mas, na falta destes, é possível construir uma defesa assente em rendimentos estrangeiros, desde que:• A situação fiscal em Portugal esteja alinhada com a realidade económica do requerente.• Os valores estejam declarados no IRS.• E exista prova bancária de que o dinheiro chega efetivamente a Portugal.No fim, a questão que muitos leitores colocam resume-se a isto: “Doutor, recebo bem no Brasil, isto não chega?” Só chega, para efeitos da renovação da residência CPLP, se esse rendimento existir também para o fisco português e se estiver visível nos documentos que a AIMA consulta. A Portaria n.º 1563/2007 diz quanto é preciso ter o IRS e os extratos bancários mostram se, na prática, a pessoa tem mesmo como viver em Portugal. É neste triângulo que hoje se decide muita coisa..Tem uma pergunta?Basta enviar para o e-mail dnbrasil@dn.pt que a resposta será publicada às quintas-feiras no DN Brasil..Quem é o advogado que responde?André Lima, Advogado, inscrito nas Ordens dos Advogados de Portugal e do Brasil, pósgraduado em Finanças, Reestruturação e Contencioso Corporativo pela Universidade Católica Portuguesa, e pós-graduando em Direito Internacional, Imigração & Migração pela EBPÓS. É mentor dedicado de advogados em ascensão e membro ativo de diversas associações jurídicas, incluindo o IBDESC, ABRINTER e ABA, que destacam o seu compromisso com a internacionalização do direito e a sua contribuição para a comunidade jurídica internacional..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Pergunte ao Advogado. Dívida nas Finanças pode impedir a renovação da residência?.Pergunte ao Advogado. Sou estudante e casada com um português: qual a melhor forma para obter a AR?