Foi há mais de dez anos, em janeiro de 2014, que Lisboa entrou de vez na cabeça e no coração da brasileira Flávia Motta. Jornalista carioca com carreira consolidada - com passagens por O Dia, Globoesporte.com e pelo GNT, onde atuou cinco anos na área digital - , ela aproveitou o passaporte português recém-emitido para passar férias em Portugal, mas acabou voltando para casa com mais do que lembranças de viagem.“Da primeira vez que viemos, ficamos hospedados na Rua de São Paulo, no Cais do Sodré. Todo dia eu abria as janelas do apartamento e via o rio, o movimento do centro da cidade. Aquilo me encantou de uma maneira… quando fui embora para o aeroporto, fui chorando no táxi”, relembra a carioca, hoje especialista na área do mercado imobiliário lisboeta, em entrevista ao DN Brasil.A conexão com Lisboa foi tão intensa que, meses depois, mais especificamente em setembro daquele ano, Flávia e o marido, o também jornalista Leonardo Mesquita, decidiram se mudar. Bisneta de português, ela vendeu o apartamento no Rio e embarcou para viver um ano sabático na capital portuguesa.“Na época a gente alugou um T1 atrás da Avenida da Liberdade por 750 euros. Todos os meus amigos portugueses achavam caríssimo, mas Lisboa era uma cidade bem barata se comparada aos dias atuais”, conta..O plano inicial era estudar e aproveitar o tempo livre, mas a vontade de ficar foi crescendo. Com oportunidades limitadas no jornalismo, começou cuidando da comunicação de uma empresa para o Brasil. Vieram outros trabalhos, um blog coletivo com brasileiras espalhadas pela Europa e uma experiência numa startup que acabou mal. Em 2018, atendeu ao convite de uma amiga e entrou para o setor imobiliário - área onde se estabeleceu e se tornou referência para clientes brasileiros. “Eu achava que não tinha menor talento para isso”, confessa Flávia, que, acabou por fazer do setor o seu trabalho até hoje. Referência para brasileiros que chegam em LisboaNo início, Flávia trabalhou vinculada a agências, sempre voltada para o público brasileiro. A atuação ganhou escala em 2020, quando ela e Leonardo criaram a Lisboa à Beça. O negócio nasceu para atender brasileiros que sonhavam em viver em Lisboa e precisavam de apoio antes e depois da chegada. O serviço incluía desde orientações sobre o NIF e indicações de advogados parceiros até contratos de eletricidade, ajuda para escolas onde matricular os filhos, e contratos com água e telecomunicações.Com o tempo, passou a oferecer acompanhamento presencial na escolha de bairros e imóveis, visitas para clientes ainda no Brasil e até entrega da casa pronta para morar. “Às vezes o cliente queria chegar com a casa mobiliada e a despensa cheia. A gente cuidava disso também.”A partir dessa base, surgiu a gestão de arrendamentos de temporada para proprietários de casas de férias. Hoje, a empresa administra 12 apartamentos - 11 de brasileiros - com contratos a partir de um mês. Além de dirigir a Lisboa à Beça, Flávia atua como consultora imobiliária na ImoExperty, corretora especializada no mercado português.A parceria amplia o alcance do trabalho, permitindo que ela atenda também clientes interessados em processos mais complexos de compra e venda, sem perder o atendimento personalizado. “Gosto de representar o comprador, entender o que ele procura e garantir que faça uma boa escolha. É um trabalho que envolve muita confiança”, sublinha.O diferencial, diz, está na contextualização. Flávia ajuda o cliente a ajustar expectativas de preço, mostrar alternativas além dos bairros “cristalizados” e pensar na rotina. “Se a pessoa me diz que quer fazer a vida a pé, vou sugerir bairros que permitam isso. Por acaso eu cresci no Rio precisando de carro para tudo então aqui valorizo muito poder fazer tudo caminhando. E depois outros fatores: se tem bebê, vou dizer: bairro X não é tão bacana para andar de carrinho, tem muita pirambeira, entre outros tópicos que a gente indica", ressalta.Ao longo destes 11 anos e nove mudanças, Flávia viu Lisboa se transformar: imóveis mais caros, pressão do turismo, regras de arrendamento mais rígidas. Aprendeu a traduzir essas mudanças para quem chega, para que cada compra ou arrendamento seja também um bom investimento.Paralelamente, ela resolver construir uma presença digital estratégica, especialmente através de um perfil ativo no Instagram, onde combina análises de mercado, dicas de bairros e aspectos do dia a dia lisboeta para os imigrantes que chegam por aqui. “Ano passado contratei uma social media brasileira que mora aqui. A gente produz os conteúdos do mês em uma manhã ou tarde, e depois tento alinhar com os imóveis que tenho para vender. Mas também faço vídeos sobre como é morar em determinada zona, dicas de restaurantes, comércios, parques”..Flávia conta que as redes funcionam como vitrine para o seu trabalho e geram proximidade. “Já aconteceu de alguém dizer que só mora num bairro porque me segue. O Instagram é importante para aquecer.” A carioca também assina uma newsletter, enviada toda quarta-feira, que segue a mesma linha editorial, mesclando anúncios, notícias e dicas práticas. “Às vezes é sobre um imóvel, às vezes sobre uma notícia, às vezes só uma dica acerca do mercado imobiliário.”Mesmo já se passem alguns bons anos desde que Flávia deixou o jornalismo para trás, contar histórias ainda é parte essencial do trabalho da carioca, como pode ser visto através de suas redes sociais. E essa forma de o fazer tem chamado cada vez mais atenção de quem chega em Portugal e quer ter esse cuidado na hora de escolher um imóvel..Entre contratos, roteiros, visitas e gravações, Flávia mantém o mesmo olhar que teve ao abrir a janela da Rua de São Paulo há mais de uma década. Hoje, no entanto, ela multiplica esse olhar nas janelas que ajuda a abrir para outros brasileiros que atravessam o Atlântico em busca de uma nova vida em Lisboa..nuno.tibirica@dn.pt.O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Da prancheta para a alta tecnologia: brasileiro dá nova cara às vistorias no mercado imobiliário português.Zazah: brasileiros comandam restaurante que une arte e sabores do mundo no centro de Lisboa