Arielle e Heitor são os sócios do instituto.
Arielle e Heitor são os sócios do instituto.Foto: Reinaldo Rodrigues

Brasileiros criam o Instituto UM, o primeiro ‘think-and-do tank’ de Portugal, com primeiro projeto sobre imigração

Arielle e Heitor são do Rio de Janeiro e amigos desde criança. A vida os afastou durante alguns anos, mas em Lisboa se reencontram - e encontraram o propósito de suas carreiras: criar algo novo para ajudar a sociedade a longo prazo, desafiando a lógica atual.
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Arielle Sensi e Heitor Cavalcanti de Albuquerque se conhecem desde os seis anos de idade. Ambos do Rio de Janeiro, suas famílias são amigas de longa data. Com o passar dos anos, a vida os levou por caminhos diferentes. Navegaram por diversas áreas do conhecimento e se reencontraram em Lisboa, cidade que ambos escolheram para viver. Ao retomarem a amizade, começaram a conversar sobre os problemas do mundo e possíveis soluções, enquanto a imigração foi se tornando um dos principais assuntos de Portugal e inquietando ambos.

Arielle, formada em design, no Brasil trabalhou na Fundação Getúlio Vargas e em outros institutos de referência, principalmente em ferramentas de visualização de dados, transparência orçamentária e política. Em Portugal, trabalhou no time de tecnologia da Worten e pela recente reformulação do site da Segurança Social em Portugal. Ela já tinha a ideia de criar um instituto, em nada parecido com o que existe no país. Reencontrar o amigo anos depois foi mais um impulso para concretizar o objetivo, até que chegou a hora. Aos 32 anos, criou o seu próprio: o Instituto UM do Paradoxo Aplicado, que tem Heitor como sócio. O nome é complexo e a missão também.

O instituto é um “think-and-do tank”. O que isso significa? Simplificando a linguagem, é algo como um instituto que pensa os problemas e as soluções, aplicando-as na prática. A parte prática é o que diferencia de um think-tank, já conhecidos no mercado. “Queremos unir o conhecimento da academia, da sociedade civil, do mercado de trabalho e do Governo em soluções com foco em políticas públicas de longo prazo para os problemas estruturais de Portugal”, explica Arielle ao DN Brasil.

Uma das principais áreas de atuação será a dos serviços públicos, a qual a imigrante conhece bem por ter trabalhado na Segurança Social. “Eu fui contratada como sênior product designer para a equipe de experiência da Segurança Social. Trabalhei diretamente com o portal, na área de famílias, agregados familiares e rendimentos. Eu fiquei com uma parte mais central, porque isso estava relacionado com todos os outros subsídios. Foi ali que eu comecei a ter uma ideia maior de como é que funcionava a Administração Pública portuguesa e como funcionavam essas integrações dos sistemas que já eram muito falhas e ainda tem muita coisa para caminhar”, recorda. Todas essas inquietações, somadas com as de Heitor, com horas de conversas e reflexões, levaram a conclusão de que Portugal precisa de uma nova forma de olhar para os problemas, de forma unificada, não de forma isolada. “Percebemos que todas as questões estão interconectadas de alguma forma e que havia uma oportunidade de trazer uma abordagem mais sistêmica, de fazer serviços, produtos ou estratégias voltadas para a melhoria contínua”, complementa a designer, que tem como uma de suas especialidades o desenvolvimento de produtos.

O instituto já tem dois projetos de sucesso no Brasil e agora quer iniciar sua atuação em Portugal. Um deles já está em andamento, mas ainda não pode ser divulgado, e está relacionado à reestruturação de um site. Um dos principais objetivos é utilizar o conhecimento de ambos em tecnologia para melhorar a infraestrutura de sites, como a cibersegurança e também a coordenação de pesquisas de interesse público. “Principalmente a parte de tecnologia, que é onde a gente vai conseguir os recursos para manter a área de pesquisa e desenvolvimento voltada a problemas complexos”, detalham.

O investimento para a criação do Instituto UM foi feito com recursos próprios dos dois sócios. A dupla também quer unir tecnologia e dados em Portugal, em especial no que diz respeito à transparência e à forma de apresentá-los de maneira simples. “A ideia é conseguir fazer um acompanhamento de todos os dados que vêm da segurança pública, por exemplo, ter pessoas em cada frente - especialistas em transporte, mobilidade, saúde, para que a gente consiga encontrar soluções mais transversais”, destaca Heitor.

Um dos primeiros projetos é o Fica Imigrante, que nasceu na Fábrica Braço de Prata.
Um dos primeiros projetos é o Fica Imigrante, que nasceu na Fábrica Braço de Prata.Foto: Reinaldo Rodrigues

Eles sabem que a tarefa é ambiciosa e nada fácil, mas está confiante. “Acho que o maior desafio é conseguir dar sentido às coisas que estão acontecendo, construir narrativas que façam sentido, porque hoje surgem muitas soluções rápidas e fáceis. Precisamos fazer as pessoas participarem de projetos que demandam mais tempo, paciência e resiliência, que não se resolvem apenas com um produto ou serviço isolado, mas que exigem, na verdade, além dessas intervenções, uma mudança de mentalidade”, reflete a brasileira. Ela vê este como um dos maiores problemas de Portugal: as tecnologias não estão interligadas e as soluções são pensadas separadamente, o que nem sempre gera bons resultados para as pessoas. “O que a gente quer é principalmente chegar à raiz das questões. Para isso, vamos precisar de muito apoio de acadêmicos”, destaca Arielle.

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Por enquanto, a equipe conta com dez pessoas, formada de maneira interdisciplinar. São profissionais da antropologia, tecnologia, direito, ciência, programação, sociologia, gestão de marca, entre outros. Essa “mistura” de conhecimentos sobre um mesmo tema é o que eles pretendem aplicar na solução dos problemas. Além desta equipe fixa, a ideia é contratar mais profissionais a cada projeto - e esperam que sejam muitos os projetos para executar. “Eu estou com confiança, porque acho que é o que mais falta aqui. Tem muitas empresas na Europa que já estão trabalhando com inovação sistêmica e em Portugal não”, afirma a designer. Heitor também está confiante e leva a reflexão além. “As pessoas estão sofrendo em Portugal, imigrantes, portugueses, olha o preço das aposentadorias aqui, as casas sem conforto térmico, as longas horas de espera nas urgências, foi todo esse descontentamento que me fez sair do meu emprego e fazer alguma coisa pela sociedade, por isso o convite da Arielle foi perfeito”, destaca.

A imigração

A forma como a imigração e os imigrantes são vistos em Portugal hoje é uma das principais motivações da dupla. Heitor teve uma infância mudando de casa várias vezes. Na vida adulta, também. Chegou uma hora que quis escolher uma cidade para morar, trabalhar e constituir família. E essa cidade escolhida foi Lisboa, onde hoje moram também os pais do jovem de 33 anos. Já a escolha de Arielle foi estratégica: estudo e conhecimento, com vontade de atuar em políticas públicas, sabendo que em Portugal poderia ser mais fácil e ter uma vida aqui a longo prazo.

Ambos gostam de Portugal, mas admitem que já gostaram mais, principalmente Heitor. O jovem, que chegou a estudar Direito na Universidade de Lisboa, sempre esteve envolvido em projetos com a comunidade imigrante. Ele foi um dos idealizadores do projeto agora já implementado de baixar o preço das mensalidades do curso de Direito para brasileiros. “Ultimamente, o orgulho que tinha ao dizer que moro em Portugal foi diminuindo. Estou muito descontente com o país, com a narrativa de que o imigrante é um problema, quando nós salvamos a Segurança Social. Eu vejo muita xenofobia, mesmo entre brasileiros”, lamenta.

Arielle sente o mesmo. “A gente pode tentar canalizar essa raiva contra nós imigrantes para outras coisas que sejam, de fato, produtivas, e não só para a raiva em si mesmo, por ódio. Precisa voltar o diálogo, eu preciso saber o que uma pessoa tem contra mim e o que ela pensa, saber as motivações. Sinceramente, eu não invalido nenhum sentimento, temos um trabalho de escuta, compreensão e entendimento pela frente. Senão a gente não consegue entender o que está acontecendo exatamente”, reflete.

Destes pensamentos, um dos primeiros projetos do Instituto UM será o “Fica imigrante”, uma plataforma online para mostrar a importância da imigração e integração no país. Em 2018, Heitor participou da criação de um guia de bolso do imigrante.

Recentemente, conversando com João Inneco, que trabalha na Fábrica Braço de Prata, pensaram que era hora de atualizar o guia, diante de tantas mudanças recentes. Mas logo entenderam que um flyer em papel não ia dar conta. De encontros na Fábrica Braço de Prata no “LAB Imigrante” que ocorre todas as segundas-feiras com imigrantes, entenderam que era necessária uma plataforma dinâmica e mais ambiciosa, o "Fica Imigrante". Mais detalhes sobre a iniciativa serão conhecidos na próxima quinta-feira, dia 18 de dezembro. A data não é por acaso: é o dia da pessoa imigrante.

amanda.lima@dn.pt

Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 15 de dezembro.
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