Brasileiro vai das quadras de basquete para o 'Samba em Alto Mar', em Lisboa

Do alto do seu metro e noventa e oito centímetros de altura, Éder Júnior, 36 anos, viu em Portugal um destino para a realização dos seus sonhos. Há dez anos, trocou o Jaçanã, bairro onde nasceu e cresceu, na Zona Norte de São Paulo, para seguir a vida de jogador profissional de basquete em Portugal. Aqui, passou por clubes de diferentes cidades, como Belenenses, Moscavide, Nacional de Natação e Física Torres Vedras, mas, quase uma década depois da sua chegada ao país, quis o destino que sua vida em Portugal fosse ligada à uma outra paixão: o samba.

“Alguns anos atrás, passei por um burnout: além de ser atleta profissional tenho uma empresa que presta assessoria de documentação em Portugal e outros negócios também no Brasil, estava num momento da vida muito puxado. Foi quando a minha terapeuta recomendou que eu fizesse uma atividade que não tivesse um cunho profissional e tanta cobrança e aí comecei a encontrar um pessoal para fazer samba, mas nunca tinha pensado em viver da música”, conta ao DN Brasil Éder, que há três anos criou o grupo de samba raiz Pegada Envolvente.

Muito ligado ao samba desde a infância, o brasileiro cresceu na companhia da cuíca, do pandeiro, do banjo e do surdo em encontros que ocorriam no quintal de sua casa. “Minha mãe reunia a família e amigos no final de semana, meus tios tocavam muito bem, eu também acabei aprendendo e foi uma coisa que acabei levando para minha vida. Não era um sonho ser sambista, mas sempre foi algo muito presente em meu DNA”, relembra.

Em Portugal, o grupo surgiu de forma despretensiosa, com Éder atrás de um hobby para desanuviar. Um de seus amigos tinha uma familiar que geria um bar na Linha de Sintra, onde o paulista começou a se reunir com outros colegas músicos para as primeiras apresentações do Pegada Envolvente.

O hobby aos poucos foi virando algo mais sério e uma das novas caras do multifacetado imigrante. Além de jogador de basquete e vocalista do Pegada Envolvente, o paulista divide a vida em muitas frentes: é advogado, compositor, poeta e escritor - já publicou um livro, Mulheres em Poesia, e prepara o lançamento de sua segunda obra Conversas com Conceição e Dona Denise. “Agora está um pouco parada (a vida de escritor). O meu primeiro livro era de poesia para mulheres e este segundo era para a minha avó, mas estendi o conceito quando minha mãe, dona Denise, veio a falecer no ano passado”, lamenta.

Indo ao Brasil uma vez por ano, o jogador de basquete e poeta ainda guarda um tempo para trabalhar com projetos sociais, como a ONG N.E.G.R.O.S, instituição que criou e que presta apoio à jovens no bairro onde nasceu. “Fazemos distribuição de alimentos, também atuamos com duas escolinhas de futebol dentro da comunidade, entrega de cestas básicas no final do ano. É algo que faço de coração para poder dar uma estrutura para a galera da região onde cresci”, conta o brasileiro, que, inquieto, criou uma empresa em Portugal logo quando chegou ao país.

“Quando cheguei aqui eu não queria depender apenas do basquete, a gente sabe que vida de atleta é muito complicada. Criei então a Dynamic Safe, prestando essa assessoria para documentação de imigrantes, é algo que tem ido bem nos últimos anos e uma maneira de me manter ativo em outras frentes”, explica.

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Com o Pagode Envolvente, o paulista começou também a empreender na música em Portugal. Ele criou a Laróye Produções, produtora na qual levou para outro patamar os eventos da banda do qual também é vocalista. É no samba e no pagode, aliás, que ele atua a maior parte do tempo desde que o grupo aos poucos começou a ser reconhecido em Portugal após a criação em dezembro de 2022. “Diria que atualmente passo 70% do meu tempo dedicado ao trabalho com o grupo. Não sei dizer quando é que começamos a crescer, diria que é algo que ainda está acontecendo. Fui aos poucos oferecendo pocket shows da banda em diferentes bares e casas de Lisboa e arredores, especialmente de Sintra, e o negócio foi crescendo. Graças a Deus hoje o cachê é muito maior de três anos atrás, quando começamos”, diz Éder, que com o sucesso do grupo nos últimos tempos e outros investimentos que faz “aqui e ali”, conseguiu dar entrada na sua primeira casa em Portugal.

Roda semanal e evento no Tejo

Desde o ano passado, a Pegada Envolvente começou a ter um evento semanal que tem ajudado na divulgação do trabalho da banda. Todos os sábados, o grupo se reúne no Clube Oriental de Lisboa, mesma casa das brasileiras do Coletivo Gira, onde se apresentam num show de cerca de três horas com muito samba raiz.

“É a identidade da nossa banda. O pagode contemporâneo é algo que você não vai encontrar no nosso show, ao menos que o público peça muito, seja algo específico, mas o foco é mesmo o samba da velha guarda, como gostamos de chamar. Ali você vai encontrar no repertório Beth Carvalho, Jorge Aragão, Fundo de Quintal, Jovelina Pérola Negra, Ivone Lara”, lista o criador e vocalista do grupo, ou “Presidente”, como é chamado pelos colegas.

De acordo com Éder, sua “grande sacada” como produtor do Pegada Envolvente foi entender que era preciso mais do que apenas bater nas portas de bares de Sintra, Lisboa, Torres Novas, Santarém e Lourinhã para fazer o Pegada Envolvente chegar aos ouvidos do público. Após ver certa dificuldade em introduzir o samba de raiz na maioria dos lugares, já acostumados com o pagode, ele decidiu fazer os próprios eventos do grupo.

“Começamos a ter nossas iniciativas e hoje posso dizer com propriedade que somos o grupo que mais traz atrações do Brasil. Basicamente, trazemos nomes importantes de lá e o Pegada Envolvente faz a banda para o show deles aqui. Já trouxemos Pinha Presidente, Arlindinho, Babi Cruz, Davi do Samba, grandes nomes. Eu entendi que o único jeito de fazer essa coisa acontecer era produzindo e criando meu próprio palco”, explica o músico.

Foi justamente quando começou a produzir eventos que o imigrante despertou para uma ideia ousada: o Samba em Alto Mar. O evento é nada mais nada menos do que uma festa de quatro horas regada ao melhor do gênero brasileiro em um navio de três andares que, apesar do nome, percorre um rio. No caso, o mais famoso de Portugal e companheiro eterno de Lisboa: o Tejo.

“Tenho muito orgulho de ter criado esse evento do zero, um evento que dura tantas horas, com a nossa roda de samba, acho que o Samba em Alto Mar é mesmo a menina dos olhos do Pegada Envolvente. É um projeto que, assim que eu libero a venda dos ingressos, esgota rapidamente. Todas as edições foram sold out, todo mundo que vai ama, é realmente especial”, diz com orgulho. Ao todo, já foram quatro edições realizadas desde 2023, sendo que a próxima, que já tem nome definido, O Som dos Nossos Tambores, está marcada para o dia 4 de julho, uma sexta-feira. O evento terá a participação especial de Arlindinho, grande nome do samba e filho de Arlindo Cruz. Os ingressos já estão à venda.

Ideia inovadora de Éder, o Samba em Alto Mar é 2025 já desperta ansiedade por parte do poeta, compositor, advogado, ativista, jogador de basquete e, não menos importante, sambista Éder Júnior.

“A Pegada Envolvente surgiu para enfrentar barreiras, construímos tudo isso do zero, sem apoios, nem patrocínios, e agora temos nossos próprios eventos aqui em Lisboa e no Porto fazendo sucesso, e essa ideia que superou expectativas que é o Samba em Alto Mar. Trazer a nossa cultura popular brasileira para Portugal tem sido o nosso mote nos últimos anos e estamos conseguindo traduzir isso através nos nossos eventos”, reflete Éder.

Até o próximo samba no Tejo, a banda segue se apresentando todos os sábados a partir das 20h00 no Clube Oriental de Lisboa. “A entrada é gratuita, a cerveja é barata e o samba é raiz”, finaliza com alegria o sambista.

nuno.tibirica@dn.pt

Este texto está na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 24 de março de 2025.