Brasil, Portugal, EUA: academia em Rio Maior cria rota internacional para jovens atletas brasileiros
Até o início dos anos 2000, pouca coisa acontecia em Rio Maior, cidade ribatejana de 21 mil habitantes localizada a uma hora de Lisboa. Um novo negócio implementado na cidade no começo do século, no entanto, deu outro estatuto ao município: um Centro de Alto Rendimento para atletas. Hoje, é através de um negócio comandado por sócios brasileiros e portugueses, que atletas de diferentes partes do mundo resolvem se mudar para Rio Maior.
A MVP Academy está instalada no Centro Desportivo de Alto Rendimento de Rio Maior - um dos principais complexos esportivos da Europa. O local está se tornando uma ponte para jovens talentos brasileiros que sonham em alcançar o alto rendimento esportivo e acadêmico, especialmente rumo aos Estados Unidos. Atletas olímpicos brasileiros como Bia Haddad, Cesar Cielo e Beatriz Ferreira realizaram estágios na MVP Academy. A reportagem do DN Brasil visitou as instalações da academia e conversou com sócios portugueses, brasileiros e atletas da academia para conhecer mais sobre do trabalho feito em Rio Maior.
História
Fundada em 2019 pelo português Nuno Tavares, ex-treinador profissional de basquete com passagens por Estados Unidos, Espanha e Itália, a MVP Academy surgiu como a primeira academia privada de basquete em Portugal. O projeto nasceu da percepção de que muitos jovens atletas precisavam de um ambiente que combinasse treinamento de alto nível com estrutura educacional. "Percebemos que havia uma demanda por um sistema integrado, onde o atleta pudesse desenvolver todas as facetas necessárias para se tornar um profissional", explica Nuno.
Hoje, a academia já expandiu para outras modalidades, como natação, e prepara-se para incluir futebol, vôlei e esportes de combate em breve. O diferencial está no que Nuno chama de sistema 360 graus: além dos treinos específicos (que podem chegar a 13 sessões semanais), os atletas recebem acompanhamento psicológico, nutricional, fisioterápico e acadêmico em tempo integral.
"Temos dentro deste edifício as instalações esportivas e a escola. O que é mais valioso é que o tempo útil é muito bem aproveitado. Tudo acontece a pé, sem perder horas em deslocamentos", detalha o treinador. A rotina é intensa, mas meticulosamente planejada: treinos de habilidades específicas pela manhã, preparação física à tarde e sessões coletivas à noite, tudo intercalado com aulas e acompanhamento personalizado.
Mas o foco vai além das quadras e piscinas. "Muitos chegam com expectativas irreais sobre a vida de atleta profissional", observa Nuno. "Nos primeiros meses, trabalhamos muito a mentalidade: a importância do descanso, da recuperação, da alimentação balanceada. Nas 24 horas do dia, eles passam apenas três treinando. As outras 21 horas são o verdadeiro desafio".
A filosofia da MVP é de "liberdade com responsabilidade". Em Rio Maior, cidade pequena e tranquila, os jovens aprendem a gerir sua própria rotina. "Queremos que desenvolvam hábitos: fazer a cama, lavar a louça, estudar sem ser obrigado. Quando vão para os EUA, já estão preparados para a independência que a vida universitária exige", explica o fundador.
Conexão Brasil - Portugal
Recentemente, a MVP ganhou dois sócios estratégicos: os brasileiros Rodrigo Fioravanti, ex-jogador de basquete que atuou no Fluminense, Flamengo e em universidades dos EUA, e Bruno Gutmann, advogado com ampla experiência no mercado esportivo. A dupla entrou no projeto justamente para fortalecer a conexão com o Brasil e expandir o leque de modalidades.
Rodrigo, que hoje vive em Cascais, teve seu primeiro contato com a MVP através de um advogado em comum. "Quando Nuno me descreveu o projeto por telefone, eu não imaginava a dimensão. Ao visitar, vi que era algo único em Portugal", conta. Sua visão foi além do basquete: "Queremos transformar a MVP em uma referência como a IMG Academy nos EUA, com excelência em múltiplas modalidades".
O plano inclui não só atrair jovens brasileiros, mas criar um ecossistema completo. "No basquete, o caminho natural é a NCAA e, quem sabe, a NBA. Mas se o atleta não virar profissional, terá uma formação acadêmica de qualidade", explica Rodrigo. Já no futebol, a estratégia é diferente. "Muitos miram o mercado europeu primeiro, mas a opção americana fica como plano B sólido", argumenta.
Mário Mainardi: de Recife a Rio Maior em busca do sonho
A história do pernambucano Mário Mainardi, 18 anos, exemplifica o perfil dos atletas que buscam a MVP. Nascido em Recife, começou no basquete tardiamente, aos 15 anos. "No Brasil, só participei de duas competições pequenas. Sabia que precisava de mais visibilidade", conta.
A rotina em Rio Maior é intensa: pela manhã, ajuda em projetos sociais que levam o basquete a escolas locais; à tarde, treina habilidades específicas; à noite, participa de sessões coletivas com o time Sub-21. "No começo, foi um choque cultural conviver com pessoas de Angola, Portugal e outros países. Mas hoje vejo como essa experiência ampliou minha visão de mundo", reflete.
Mário optou por um gap year, período dedicado exclusivamente ao esporte antes de ingressar na universidade. "Terminei o ensino médio adiantado no Brasil para vir mais cedo. Meu foco agora é melhorar meu inglês e me preparar para tentar uma bolsa nos EUA", planeja.
Processo
A MVP oferece três planos de permanência, todos incluindo alojamento e suporte básico (psicológico, nutricional e acadêmico), com opções adicionais como alimentação completa e fisioterapia. As mensalidades variam conforme os serviços, podendo ser pagas mensal, semestral ou anualmente.
"Neste ano, temos 32 vagas no plano básico", informa Nuno. O processo seletivo é aberto a atletas de qualquer nacionalidade - atualmente há jovens de seis países na academia. Para brasileiros sem cidadania europeia, a equipe auxilia na obtenção de visto de estudante.
"Temos protocolos com escolas locais, a Câmara Municipal e clubes esportivos da região", detalha Rodrigo. Um dos parceiros estratégicos é a Escola Superior do Esporte local, que fornece estagiários e especialistas em preparação física. "Não somos um time, mas preparamos atletas para competirem em equipes federadas", explica.
O futuro da MVP
Os planos de expansão são ambiciosos: além de incluir novas modalidades, a academia pretende aumentar seu programa de eventos, como campos de verão internacionais. "Queremos trazer atletas de todo o mundo para períodos de imersão", adianta Rodrigo.
Para os brasileiros, a MVP surge como uma alternativa estratégica. "Do Brasil diretamente para os EUA é mais difícil. Aqui, eles fazem uma adaptação cultural e esportiva antes do salto final", analisa Rodrigo. Desde 2019, 18 atletas da academia já conquistaram bolsas em universidades americanas - número que deve crescer com a entrada dos sócios brasileiros.
Enquanto isso, jovens como Mário seguem treinando sob as regras rígidas - mas recompensadoras - da MVP. "Sei que o caminho não é fácil", diz o pernambucano, enquanto se prepara para mais uma sessão de treinos. "Mas cada dia aqui me deixa mais perto de jogar nos Estados Unidos, independentemente de qual estado vá, só quero ir". Seu sonho, como o de muitos outros na academia, ganha contornos mais nítidos a cada arremesso certeiro nas quadras de Rio Maior.
nuno.tibirica@dn.pt