Em 2017, o Consulado-Geral do Japão em São Paulo estimava que cerca de 887 mil pessoas do maior estado brasileiro tinham ascendência japonesa. Com uma cultura enraizada no Brasil como um todo, país para o qual dezenas de milhares de imigrantes japoneses se mudaram no início do século XX, os japoneses têm atenção especial na cidade de São Paulo, com direito até a um bairro: a Liberdade, conhecida por ser o berço dos melhores e mais tradicionais restaurantes de culinária japonesa na metrópole.A grande onda de imigração brasileira para Portugal nos últimos anos trouxe consigo essa influência da gastronomia japonesa, que vai cada vez mais ganhando espaço também por cá. O mais recente exemplo é o After Dark, um izakaya (bar japonês) que, pelas mãos do chef Matheus Martins, tem dado o que falar na região do Príncipe Real, no coração de Lisboa."Eu já tinha a ideia do izakaya há muito tempo, e, após uma viagem para o Japão conseguimos colocar em prática neste ano: basicamente era uma questão de vida ou morte, depois da viagem ou eu ficava por lá, ou abria um izakaya aqui. Acabou que todo mundo adorou a ideia e embarcamos nessa aventura. No início abríamos três noites por semana, agora são cinco", conta o chef em entrevista ao DN Brasil no After Dark, que, durante o dia, funciona como o Boubou's Sandwich Club, casa de sanduíches do restaurante Boubou's, onde Matheus trabalha desde 2024. O conceito surgiu a partir de uma conversa com Louise Bourrat, premiada chef francesa que comanda o Boubou’s. Assunto entre os dois há tempos, a ideia tomou forma há quatro meses, pouco tempo após Matheus voltar da viagem ao Japão. Desde então, a prestigiada sanduicheria transforma-se, durante a noite, neste inovador izakaya que traz, além de diversas referências da ida do chef ao Oriente — dos pratos ao balcão e à decoração — também muito de sua infância.Isso porque a relação de Matheus com a culinária japonesa vem de longe: na verdade, o acompanha praticamente desde que nasceu. "Minha mãe me levava nos restaurantes da Liberdade, quando eu era bem pequenininho, um bebê. Inclusive, ela me conta uma história que no Takô, um dos primeiros restaurantes de sushi na Liberdade, eles faziam uns hossomakis pequenininhos pra eu poder colocar inteiro na boca quando eu tinha um ano de idade", relembra..Ligado à gastronomia desde 2012, o chef saiu cedo de sua cidade natal para fazer um curso em Melbourne, na Austrália. Ao retornar ao Brasil, trabalhou em diferentes restaurantes de São Paulo antes de se mudar para Fernando de Noronha, em Pernambuco, quando recebeu, em 2022, o convite para se tornar o head-chef do restaurante Salta, em Lisboa. Não pensou duas vezes e arrumou as malas para Portugal.A culinária japonesa em PortugalDesde que se mudou para cá, o fã e agora especialista na arte da culinária japonesa tem visto um fenômeno tornar-se cada vez mais comum. "Você vê muitos chefs brasileiros trazendo essa vibe da gastronomia japonesa para Portugal", diz Matheus, citando como exemplo Habner Gomes, do Yoso, mineiro que, em um ano, levou o restaurante à primeira Estrela Michelin. "É um cara tem um conhecimento gigante, uma técnica absurda", sublinha o chef, que exalta também os trabalhos de outros brasileiros à frente de restaurantes que tem ganhado espaço na cena lisboeta.."O Lucas Azevedo é outro que faz um trabalho incrível à frente do Ryoshi, pratos super saborosos, assim como o William Vargas e a Gabriela Hatano no Omakase Hi. Então mesmo que não seja uma cidade historicamente ligada à culinária japonesa, tem muitos chefs brasileiros trazendo coisas muito boas neste sentido", explica.Para Matheus, que no After Dark começou com um menu menor e agora já implementa outras opções (de sete ou dez momentos), Portugal conta com uma vantagem que facilita o desenvolvimento das técnicas da culinária japonesa: os produtos. "A matéria-prima, os ingredientes que nós temos acesso aqui, principalmente em questão de frutos do mar, peixes e até mesmo carnes da Galícia, por exemplo, tem uma qualidade surreal. Acho que esse casamento do que há disponível aqui em Portugal com a gastronomia japonesa é perfeito. Por mais que São Paulo tenha uma história muito forte e uma tradição muito forte com a gastronomia japonesa é um local que ainda tem um pouco de dificuldade com qualidade de produtos, algo que em Portugal não falta", reflete..Bem recebido pelo público e pelos colegas de cozinha, Matheus considera que Lisboa foi um lugar generoso desde sua chegada. “Sendo um chef brasileiro em Portugal, vejo que fui super bem aceito, tanto pelo público quanto pelas pessoas com quem trabalho. Todos me abraçaram desde cedo e me deram liberdade total para criar: acho que Lisboa me acolheu de um jeito muito bonito”, diz.Com apenas quatro meses de funcionamento, o After Dark ainda está no início, mas o chef já fala em amadurecer o projeto e deixá-lo crescer naturalmente. “Não tenho planos de sair de Lisboa agora. Quero me desenvolver aqui, crescer o After Dark e, quem sabe, explorar novos conceitos no futuro”, afirma. A ideia de voltar ao Japão um dia permanece como um desejo, mas por enquanto, a missão é seguir iluminando as noites lisboetas e reforçando, com sotaque brasileiro, o protagonismo de uma nova geração de chefs que reinventam a tradição japonesa em Portugal.nuno.tibirica@dn.pt.Este texto está publicado na edição impressa do Diário de Notícias desta segunda-feira, 27 de outubro de 2025..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..De Além Mar: de Angola a Bahia, a trajetória de uma empadaria com sotaque múltiplo em Lisboa.Sult: o restaurante carioca que atravessou o Atlântico para conquistar Portugal