Um papel. Por causa de um papel, a vida da professora brasileira Alana Gabriela Vieira Alvarenga da Costa virou um inferno em Portugal: em 2022 começou a saga com diplomas para conseguir dar aulas no país. No concurso de 2023/2024, foi aprovada e começou a fazer o que mais gosta: estar em sala de aula. No entanto, no meio do ano letivo, foi demitida da escola onde trabalhava por causa do “papel”. Mas que “papel” é este? É assim mesmo que é chamado. Não possui um nome específico. A brasileira só sabe o que é porque, todas as vezes que vai à Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), o técnico que a atende dita o que precisa constar nesse documento obrigatório. “Quando eu vou lá, ele fala assim: olha, você está sem esse papel, eu vou ditar para você o que precisa estar escrito nesse papel. Tem que estar escrito que fulana formou na universidade X, ela pode dar aulas para X grau, para crianças com idade X”, conta a professora ao DN Brasil.O Governo português exige que este documento seja emitido pelo Ministério da Educação (MEC), secretaria ou conselho de Educação. Porém, desde 20 de Julho de 2021 - portaria MEC Br 548 art. 10, 2º parágrafo, o MEC Brasileiro determina que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) possuem autonomia administrativa e competência plena para emitir declarações, certidões e demais documentos acadêmicos. E aqui está o “azar” da imigrante, mesmo com documentos emitidos pela própria Universidade de Brasília (UnB) - uma instituição federal, pública e de reconhecida excelência com nota alta da Capes -, com documento complementar do MEC brasileiro, com mestrado em Educação e toda a qualificação exigida, a DGAE exige o “papel” emitido pelas entidades determinadas.Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!Arrasada com a situação e enfrentando um quadro de depressão, Alana não desistiu. Primeiro, entrou com uma ação contra o MEC do Brasil para que o “papel” fosse emitido. O ministério ganhou a ação, já que além da portaria mencionada anteriormente, o entendimento é que, quando uma universidade emite um diploma, fica automaticamente claro que o profissional está apto a dar aulas. Em paralelo, Alana buscou o setor educacional da Embaixada do Brasil em Lisboa, que emite escalas de notas para pedidos de equivalência escolar e universitária. A representação diplomática também emitiu a tal declaração no formato pedido pela DGAE. Entretanto, a DGAE não reconheceu nenhum papel apresentado. Ainda assim, Alana não desistiu. Entrou na justiça portuguesa com ação de intimação para conseguir que as múltiplas declarações pudessem ser aceitas. Anexou também decisão judicial Brasileira, seu reconhecimento específico obtido na Universidade de Lisboa, e o mestrado em Educação reconhecido automaticamente pela Direção Geral do Ensino Superior. Em resumo, a imigrante tem cinco “papéis” que atestam a mesma coisa, mas a DGAE exige um papel impossível de ser obtido pela brasileira.Mesmo após vitória na Justiça, órgão ignora decisãoContratou um advogado, o também brasileiro Thiago Vieira, para que a justiça portuguesa reconhecesse as versões do “papel” que foi possível obter. E obteve vitória. A juíza do caso reconheceu que a imigrante tinha todos os documentos necessários para dar aulas em Portugal e que sequer deveria ter sido demitida. “O Tribunal decide que o reconhecimento da qualificação profissional da Requerente não pode ser recusado pela Entidade Requerida com fundamento no incumprimento do disposto no artigo 3º, nº 3, alínea e, da Portaria nº 967/2009, de 25 de agosto, uma vez que os documentos entregues pela mesma dão cumprimento ao exigido nesta norma”, consta na decisão judicial à qual o DN Brasil teve acesso.O momento foi de alívio e mais. A própria magistrada sugeriu que a imigrante fosse ressarcida pelos prejuízos financeiros causados pelo afastamento e por não ser possível readmitir a professora no Agrupamento de Escolas Augusto Cabrita. Segundo a nova advogada que está no caso, Jamile Jambeiro, “não é normal pedidos de indenização nestes casos administrativos, mas acho que a juíza se comoveu com a situação dela”, relata ao jornal. Mas a comemoração durou pouco: a DGAE não reconheceu a decisão judicial.“Quando eu recebi a sentença da juíza, eu pensei assim: amanhã, quando eu acordar, o documento vai estar no meu e-mail. E não estava”, desabafa Alana. O DN Brasil também teve acesso à resposta do setor jurídico da DGAE, que diz não reconhecer o veredito. “No nosso entendimento (...) conforme transcrição infra, o Tribunal não condenou a Administração a reconhecer a qualificação profissional da Requerente”, respondeu o jurista da DGAE. O DN Brasil questionou a direção sobre esse ponto, mas não obteve resposta.A advogada considera uma vitória e está, desde a semana passada, lutando para que a DGAE reconheça a decisão judicial. Já enviou à juíza a resposta do Governo e ainda vai pedir uma indenização por danos morais. O problema é que o tempo não está a favor do caso: as inscrições para o próximo concurso encerram nesta sexta-feira, dia 21 de novembro. Sem o “papel”, Alana não poderá concorrer. “Para você ter uma noção do que eu consegui sendo uma simples cidadã: eu tenho o documento da embaixada falando que eu sou apta para dar aulas. Então, espera aí, se a embaixada, o setor educacional da embaixada, emite um documento, mas ele não tem valor aqui em Portugal, o que vai ter? Se a juíza portuguesa fala que eles têm que emitir o documento e eles não emitem, o que falta? Eu estou numa situação de tanta angústia”, lamenta.E por que este concurso, prestes a fechar as inscrições, é tão importante? É preciso voltar no tempo para entender. Segundo Alana, quando ela e o marido, Marcelo, pensavam em mudar de país, há quase seis anos, o trabalho da brasileira era inegociável: consideravam Portugal porque acreditavam que seria o local onde seria mais fácil estar em sala de aula, lugar que a imigrante ama. Alana não abria mão de trabalhar naquilo que sempre estudou e se especializou, enquanto Marcelo é da área de TI e consegue colocação mais facilmente em vários lugares.Se Alana não tivesse sido injustamente demitida (essa foi a conclusão da juíza) no meio do ano letivo, poderia ter participado do concurso extraordinário daquele ano para ser efetivada na escola. “É um concurso muito importante porque ele dá a possibilidade de vinculação, ou seja, de eu não precisar mais fazer concurso; eu entro na carreira e simplesmente tenho que me preocupar em ser bem avaliada para ter uma progressão salarial e de nível”, explica. Mesmo essa demissão a prejudica caso consiga entrar no concurso. “Não vai contar o tempo de serviço, e isso em Portugal vai acabar me deixando no fim da fila, porque o tempo de serviço é um dos diferenciais do concurso. Quanto mais tempo você trabalhou, mais chance você tem de subir de nível e ficar melhor colocado”, complementa.E Alana tem certeza da própria capacidade em ser aprovada. Em um dos testes que fez quando ainda estava na escola, obteve nota 8,1 em uma escala de 1 a 10. Mais do que isso, nestes três anos de luta, houve impacto na vida pessoal. “Se não tivessem me desligado, se eu tivesse ficado vinculada naquele ano, eu já teria tido um filho, por exemplo. Os impactos que eles estão causando na minha vida de imigrante são muito significativos para mim, porque eu sinto que a minha vida foi pausada, foi tolhida, mesmo eu sendo uma profissional exemplar”, reflete. E esse reconhecimento também veio dos alunos, que escreveram cartinhas carinhosas quando ela foi avaliada pelos alunos na escola, cartinhas que são guardadas por Alana com muito amor.“Eu fui avaliada, tive uma nota alta, sou uma profissional que tem o meu diploma reconhecido, tenho os documentos de vários órgãos brasileiros, e eles simplesmente dizem que esses documentos não são aceitos. Eu não consigo entender, eu não consigo”, desabafa. Sem conseguir que a DGAE acate a decisão judicial, Alana apelou ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa, por e-mail, com fundamentação jurídica e todos os documentos do caso. “Peço respeitosamente que V. Ex.ª solicite esclarecimentos ao Ministério da Educação e recomende prioridade na análise do meu processo, garantindo o respeito pelos direitos fundamentais, igualdade de tratamento e cumprimento da decisão judicial”, escreveu, explicando que o prazo acaba em pouco mais de 24 horas, tempo que vai definir o futuro da imigrante em Portugal.amanda.lima@dn.pt.O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Embaixador do Brasil pede explicações ao Governo sobre providências tomadas no caso do aluno agredido .Oito professores brasileiros demitidos em dois meses: autoridade escolar alega falta de habilitações, diretores desconhecem razão