Oito professores brasileiros demitidos em dois meses: autoridade escolar alega falta de habilitações, diretores desconhecem razão
A documentação dos professores tinha sido validada no portal da DGAE, analisada pelos diretores, os contratos já estavam assinados ou prontos a serem assinados, quando o contato com as escolas para o fim das funções dos profissionais surge diretamente da direção-geral.
Texto: Caroline Ribeiro
A Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) está invocando uma portaria de 2007 para impedir professores formados no exterior, ainda que tenham reconhecimento dos cursos por universidades em Portugal, de ocupar vagas no ensino público do país. O Diário de Notícias falou com vários destes profissionais, todos brasileiros. Os relatos são de, pelo menos, oito casos de demissões desde meados do mês de outubro, com a mesma situação: a DGAE entra em contato com os diretores das escolas, que desconhecem a portaria, exigindo a nulidade dos contratos com esses profissionais.
Todos os profissionais ouvidos pelo DN preferiram não ser identificados. Uma das professoras ia todos os dias da região de Coimbra para dar aulas na Margem Sul. A brasileira saia de casa às 04:00 da madrugada, percorria uma hora de carro até a estação Coimbra-A e apanhava o primeiro comboio regional do serviço. “Eu pegava às 05:09h. Descia na Lamarosa ou no Entroncamento e pegava outro, inter-regional, para Lisboa. Descia no Oriente e apanhava outro comboio para Entrecampos. De Entrecampos apanhava um Fertagus e descia em Foros de Amora. Chegava umas 09:00 à escola”. A peregrinação durou cerca de 15 dias, tempo em que a professora esteve em funções como docente de Física na escola, para duas turmas do 8.º e uma do 9.º ano.
Licenciada em Física, a docente lecionou durante cinco anos em escolas no Brasil. Em Portugal, obteve o reconhecimento específico do seu diploma pela Universidade de Aveiro. Na Certidão de Registo de Reconhecimento, a instituição portuguesa declara que “confere ao seu titular os direitos inerentes ao grau académico português de Licenciado, em Física, ramo de conhecimento ou especialidade Física”. Após o reconhecimento, a professora candidatou-se, pelo próprio sistema da DGAE, a uma vaga numa escola em Leiria com “habilitação própria”.
Habilitação própria é o recurso confere a licenciados que não são da área do ensino a possibilidade de dar aulas em Portugal. Qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, desde que reúna a documentação exigida, pode apresentar a sua candidatura. A professora foi selecionada e cumpriu contrato de março a agosto. Com o início deste ano letivo em setembro, concorreu à vaga na escola da Margem Sul do mesmo modo, com a mesma documentação. Foi selecionada, iniciou a função em meados de novembro até que, duas semanas depois, foi notificada da nulidade do contrato. “Estava em sala de aula e o diretor ligou. Fui à sala dele, e ele disse ‘não tenho boas notícias. Recebi uma mensagem da DGAE de que você não pode dar aula com esta documentação’. Ele disse que desconhecia essa portaria”, conta a professora.
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A DGAE justifica a exigência pelo fim do contrato da professora com o artigo 8.º da Portaria 254/2007. O texto revoga o ponto n.º 3 do Despacho Normativo n.º 32/84, de 9 de Fevereiro, “no que se refere ao reconhecimento de cursos superiores estrangeiros como conferentes de habilitação própria ou suficiente para a docência”. O despacho mencionado diz, no ponto revogado pela portaria, que “os titulares de cursos superiores estrangeiros poderão ser declarados como portadores de habilitações próprias ou suficientes para a leccionação nos ensinos secundário e ou preparatório” desde que, entre outros requisitos, possuam “equiparação a um curso superior”em Portugal, como é o caso dos professores ouvidos pelo DN. “A DGAE tem um entendimento de diploma estrangeiro. Quando eu faço um reconhecimento, o meu diploma não é mais estrangeiro, é um diploma de Portugal”, diz a professora.
Em todos os relatos ao DN, os professores realçam a surpresa dos diretores das escolas ao serem confrontados com o contacto da DGAE. “Estamos a ser demitidos, de forma abrupta, mesmo tendo formação de excelência, devido a uma portaria de 2007. O diretor estava bastante pesaroso, disse que tinha uma péssima notícia para me dar. Perguntou se eu conhecia tal portaria, eu disse que desconhecia”, conta outra brasileira, que já trabalha em Portugal há quatro anos, com passagens por diversos agrupamentos. Neste mais recente, estava colocada desde o final de setembro, quando, no início deste mês, foi demitida. Ela tem o seu reconhecimento específico da licenciatura em História no Brasil feito pela Universidade Nova de Lisboa. “O diretor tentou argumentar com a DGAE, mas foi em vão. Elogiou o meu trabalho, a interação com os alunos. É uma escola multicultural”, diz, lamentando, ainda, que os alunos fiquem sem aulas. “É uma escola muito carenciada, eu já era diretora de turma”.
Todos os depoimentos recolhidos pelo DN relatam situações em que a documentação dos professores tinha sido validada no Sistema Interativo de Gestão de Recursos Humanos da Educação (SIGRHE), através do qual concorreram às vagas, e analisados pelos diretores, com os contratos já assinados ou prontos a serem assinados, e nos quais o contato com as escolas para o fim das funções dos profissionais partiu da DGAE.
caroline.ribeiro@dn.pt
Leia a reportagem completa na edição deste sábado (14) do Diário de Notícias ou pelo site.