Rafa Marrocos: carioca transforma paixão em negócio e leva brasileiros e portugueses ao Deserto do Saara
Poder viajar facilmente para outros países da Europa é uma das principais vantagens de morar em Portugal em comparação com o Brasil. Com a proximidade e ofertas tentadoras para voos internos, muitos brasileiros aproveitam a vida na terrinha para viajar para lugares antes distantes como Espanha, França, Itália, Alemanha e demais países europeus.
Existe, no entanto, um outro destino muito popular e acessível saindo de Portugal que fica em outro continente: o Marrocos, no Norte da África. Foi justamente através deste destino que a carioca Rafaela Pereira, hoje conhecida como Rafa Marrocos, encontrou sua paixão e o negócio de sua vida após a mudança para Portugal.
“Quando eu cheguei no Marrocos pela primeira vez parecia que eu não estava conhecendo um lugar novo e sim que eu estava voltando a um lugar que em algum momento já fez parte de mim. Uma coisa meio Paulo Freire, que falava que “quando eu pisei na África, me reconheci”. Me apaixonei pelas pessoas, pela forma que fui recebida e tratada. Era como se eu estivesse vendo o divino nas pessoas: uma relação diferente com o outro em comparação com o mundo ociental”, conta ao DN Brasil Rafa, que hoje entre Marrakech e o Porto comanda uma agência de viagens para o Marrocos.
Na primeira vez que visitou o país, Rafa conta ter estendido a estadia, inicialmente de cinco dias para 10, a convite de um guia local. A longo prazo, foi essa decisão que plantou a semente do turismo na cabeça da hoje empreendedora.
"Estávamos no deserto e ele me perguntou se eu queria ficar mais tempo, mas não aceitei, fiquei com receio, mas depois fiquei mal com essa decisão, de ter priorizando os meus preconceitos e os estereótipos invés do que eu realmente estava sentindo em relação ao lugar. Resolvi então ligar para esse marroquino, o Sayid e resolvi aceitar ficar mais. Acabou que ficamos amigos e quando voltei ao Porto comecei a comercializar as viagens para o Marrocos junto com esse marroquino", recorda.
A trajetória de Rafa em Portugal havia iniciado em 2017, quando ela chegou ao Porto para estudar. Filha de acadêmicos, ela desde cedo tinha escolhido a pedagogia como área de atuação, com foco especial em estudos decoloniais.
Foi naquele ano que uma bolsa de mérito na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) proporcionou a possibilidade de um intercâmbio na terrinha. A brasileira então trocou a Urca pelo Douro, e foi essa mudança que fez a carioca ter, ainda aos 23 anos, começado a empreender no turismo.
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"Se eu não tivesse ido para Portugal, talvez nunca tivesse chegado ao Marrocos", afirma Rafa. "Parece clichê dizer que Portugal é uma porta de entrada, mas para mim realmente foi. Foi onde estudei, onde minha empresa foi registrada, onde tudo começou. Até hoje, eu me divido entre os dois países", conta.
Depois que retornou ao Porto após a primeira visita ao Marrocos, Rafa entendeu que o intercâmbio para fora do Brasil seria algo muito maior e decidiu se mudar de vez. A imigrante voltou ao Rio de Janeiro para concluir a graduação, mas logo retornou a Portugal para cursar o Mestrado. Por aqui, conciliou os estudos com o trabalho em restaurantes e seguiu próxima do Marrocos organizando viagens para o país que a havia encantado.
Viajando para o Marrocos de dois em dois meses, Rafa começou a se especializar, ler e produzir conteúdos acerca da cultura marroquina e passou a fazer parcerias com agências maiores. A partir daí, a sua marca Rafa Marrocos ganhou outra dimensão e ela abriu sua própria agência, registrada em Portugal.
A marca crescia ao mesmo tempo que Rafa via portas fechadas no mercado da educação em Portugal. Mesmo com forte currículo no setor e uma pesquisa de mestrado sobre a experiência de mulheres brasileiras na universidade pública em Portugal, que abordava xenofobia, racismo e o estereótipo da mulher brasileira, a carioca não encontrava a brecha para se estabelecer por aqui. “Tentei mandar mensagens para quase todas escolas do Porto e nenhuma me respondeu ou deu uma resposta negativa. Era uma porta que não se abria aqui, ao mesmo tempo que a do turismo estava escancarada no Marrocos. Acho que aí entra o lado de ser imigrante: quando a gente se coloca nesse lugar de sair do país e ir para outro tentar a vida, a gente tem que estar flexível também para se reinventar e saber sobreviver”, reflete.
A partir daí, Rafa conta ter "virado uma chave na sua cabeça": foi quando entendeu que o tursimo no Marrocos não era apenas algo paralelo ao seu trabalho na educação e seus estudos, mas sim a sua vocação.
"Era aquilo que, de fato, me fazia vibrar e me enchia os olhos, além de ser algo que estava muito alinhado com a pessoa que eu sou, a ética, política, social, a minha forma de pensar. As pessoas perguntavam para mim porque não fazia turismo em Portugal, mas isso nunca foi uma possibilidade na minha cabeça, trazer mais turistas para a Europa. Decidi então me mudar para Marrakesh para me dedicar 100% ao turismo no Marrocos", relembra.
O plano de Rafa deu certo. Ela montou a sua empresa que nos últimos anos cresceu ao ponto de hoje receber por vezes mais de mil pessoas no país por mês para turismo interno. O Rafa Marrocos oferece os mais diferentes tipos de roteiros personalizados, os que vão desde viagens curtas até imersões mais longas. Nas redes sociais, ela se tornou uma referência para os brasileiros que querem visitar o país, contando aos seus quase 90 mil seguidores sobre hábitos culturais e dicas acerca do Marrocos.
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Segundo a empresária, a demanda vem de diferentes perfis de viajantes. "Atendemos brasileiros, tanto os que moram em Portugal, quanto os que estão no Brasil e incluem o Marrocos em uma Eurotrip. E muitos portugueses curiosos para conhecer o país vizinho também."
Entre os destinos mais desejados pelos brasileiros, dois se destacam: Marrakesh e o deserto do Saara. "Marrakesh é a cidade mais turística do país, e tem aquela estética marroquina que todo mundo imagina, com mercados movimentados, arquitetura marcante, cores vibrantes. Não é um estereótipo da internet, é real. E o deserto dispensa comentários", diz.
Além do empreendedorismo no turismo, ser uma referência na área da cultura marroquina fez Rafaela ter uma breve passagem pela televisão. Durante o Mundial de Clubes de 2022, foi convidada pela TV Globo para apresentar as cidades-sede do torneio no Marrocos, Tanger e Rabat.
"O convite veio do nada. Um produtor da Globo me encontrou na internet e entrou em contato pedindo ajuda para encontrar marroquinos que torcessem para o Flamengo", relembra, rindo. "Quando falei que não conhecia ninguém, ele pediu indicações de brasileiros que moravam nessas cidades. No fim, ele me chamou para apresentar a matéria." A reportagem foi ao ar no Fantástico e mostrou os bastidores das cidades que receberam o Mundial.
Apesar de viver em Marrakech, onde hoje é casada com Sayid, o mesmo guia que havia perguntado se ela queria estender a estadia na sua primeira visita, Rafa mantém uma forte ligação com Portugal. Além da empresa, que tem registro no país e onde de fato iniciou a vida empreendedora, ela agora está trazendo a família para morar na terrinha.
"Portugal me acolheu, me abriu portas e continua sendo um lugar muito especial. Minha vida mudou completamente desde que pisei aí pela primeira vez", finaliza Rafa em entrevista concedida a distância da cidade que a conquistou: Marrakesh.