"Até lá, Portugal contará sempre com os Josés, Joaquins, Joãos e Marias para as construir. Afinal já não lhe vai sobrar imigrantes para os incomodar".
"Até lá, Portugal contará sempre com os Josés, Joaquins, Joãos e Marias para as construir. Afinal já não lhe vai sobrar imigrantes para os incomodar".Foto: Unsplash

Opinião. Portugal precisa dos imigrantes, mas faz de tudo para expulsá-los daqui

"E sempre a culpar o imigrante por tudo e por nada. O problema social não é da imigração, mas sim da economia e da mediocridade das políticas públicas aqui praticadas"
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Texto: Priscila S. Nazareth Ferreira*

Primeiro foi o visto de procura de trabalho sem agendamento. Na sequência, não conseguem renovar as residências. Depois, a negativa do NISS para as pessoas com visto para trabalhar. Agora, uma exigência que o Governo inteiro sabe que 67% dos donos de imóveis sonegam impostos sem o menor constrangimento.

E do alto de um certo partido, em franca conversa com seus pares mais chegados, se observa o seguinte cenário, quando os ditos homens de poder se sentam todos para fazer ajustes na política de imigração. 

José, o articulador:

"O que de mais severo e eficaz podemos fazer para piorar a vida do imigrante, a ponto dele querer desistir de aqui viver e voltar para o seu país? Tirar-lhes os abonos de família. Mesmo que eles não gastem nem 10% sobre as contribuições que pagam?"

Joaquim, o estrategista:

"Já estamos a fazer isto ao negar os NISS às crianças que não conseguem ser reagrupadas!"

Maria, a entusiasta:

"Ah é verdade, já até me havia esquecido. Tu estás sempre atento, oh, Joaquim, não é à toa que és o cabeça da lista dessa vez".

João, o moderado:

"Impedir o acesso ao serviço nacional de saúde, mesmo com o convênio existente entre Brasil e Portugal? Já se faz isso a quem vem com visto também ou ainda não?"

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Maria, a entusiasta:

"Ah, isso também já vem sendo feito. Não fornecemos número de utente, e na maioria dos hospitais não damos acesso ao serviço ambulatórial, nem a diabéticos, cardíacos, ou tratamentos câncer. Até porque vem para cá viver e ainda adoecem, mas que gente inútil!"

João, o moderado:

"Ah, que bom. Essa eu não sabia. fala o outro membro da orda anti-imigração".

José, o articulador:

"E que tal se lhes tirassemos o direito ao título de residência exigindo um documento que é quase impossível de se obter?"

Diz lá um certo senhor dirigente de partido, que começou a reunião. 

"Afinal, eu já emiti tanto atestados e ganhei tanto dinheiro que ficou até mal, quando estava como presidente da Junta, não dá mais para seguir por aí. O Ministério Público está de olho agora nas juntas. Então se calhar já não vale o risco".

Joaquim, o estrategista:

"Hum, excelente ideia! Então vamos seguir por esse caminho: como os senhores sabem, a maioria de nós portugueses sonega nos arrendamentos, então se passamos a exigir que os senhorios admitissem que arrendam casas e quartos o imigrante ficava lixado de vez. E é claro que podemos sempre alegar que assim está na lei".

João, o moderado:

"Mas será que não fica muito mau? Afinal, todo mundo está à par da sonegação". 

Maria, a entusiasta:

"E então? Quem vai ligar, a população já comprou a nossa mentira de que o imigrante é a causa de todos os problemas do país. Portanto, ninguém vai ligar a isso. E no fim até vão achar bom, porque metade se vai embora, e na igreja que frequento posso lhes garantir que estarão todos de acordo".

José, o articulador:

"Não sei. Eles não podem se ir todos de uma vez, do contrário todos vão acabar por perceber que só criamos essa "estoria" para que ninguém notasse que todo o investimento que recebemos da União Europeia dos PPRs da vida viraram poeira".

Joaquim, o estrategista:

"Até lá arranjaremos outra boa desculpa, pá. Pode anunciar". Esta é a simulação de uma conversa, uma sátira de como algumas decisões aqui são tomadas.

E assim a AIMA torna ainda mais miserável a saga do imigrante na busca de uma autorização de residência, ignorando a obviedade indecente da sonegação das rendas, haja vista que o português dá casa ao imigrante, gosta do dinheiro alheio, afinal as notas pagas não têm nacionalidade, mas faz o que pode e o que não pode para fugir aos impostos.

Português que paga a renda tem contrato? Muitos não. Todo pai de estudante universitário sabe desta realidade, o que impede, inclusive, de deduzir os arrendamentos e aceder a apoios. É bom para o Governo não ter deducação, não ter apoios é ainda melhor. E assim vamos vivendo, numa sociedade hipócrita e cheia de mentiras mal contadas.

E sempre a culpar o imigrante por tudo e por nada. O problema social não é da imigração, mas sim da economia e da mediocridade das políticas públicas aqui praticadas. Mas não se esqueçam: vem ai 133 mil moradias a custo do PPR, a serem entregues até julho de 2026.

Até lá, Portugal contará sempre com os Josés, Joaquins, Joãos e Marias para as construir. Afinal já não lhe vai sobrar imigrantes para os incomodar. Voltamos daqui a menos de um ano para saber o fim desse embrólio. 

*Priscila S. Nazareth Ferreira é advogada de Direito Internacional Privado a serviço da imigração.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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