"Estamos cansados de mentiras, fartos de promessas, fartos de taxas e mais taxas e de um sistema que não garante o alistamento de um trabalhador com visto de procura de trabalho".
"Estamos cansados de mentiras, fartos de promessas, fartos de taxas e mais taxas e de um sistema que não garante o alistamento de um trabalhador com visto de procura de trabalho". Foto: Leonardo Negrão

Opinião. Como acreditar num sistema que nega evidências? "Contra fatos não há argumentos" não funciona aqui

"O direito brasileiro nasceu daqui. Os advogados que iniciam suas carreiras e os antigos catedráticos tinham em Portugal a referência máxima das instituições jurídicas. A Universidade de Coimbra é uma referência mundial como uma casa do saber jurídico. Para onde foi esse saber?"
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Texto: Priscila S. Nazareth Ferreira*

São várias as situações de imigrantes que tentam insistentemente usar o portal de serviços da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e não conseguem seu intento. Da mesma forma, é rotina nos escritórios de advocacia que atuam com imigração a descobertas de falhas no sistema.

Na posse das telas comprovando os erros, muitos de nós advogados e usuários dos serviços se deslocam até uma das 40 lojas da AIMA para obter informação. A regra é nos depararmos com funcionários completamente despreparados, que, em uníssono, só sabem repetir o mesmo mantra "envie e-mail no geral".

Será que alguns desses funcionários já tentou se passar por um imigrante comum e realizar essa tarefa? É mais fácil ganhar na euro milhões do que ser respondido, me faz as vezes pensar.  Pergunto-me como deve ser exercer esse trabalho execrável de diariamente "mentir" às pessoas e lhes dar um comando que sabidamente não funciona.

Conheço casos de mais de 200 emails enviados à AIMA por uma só pessoa buscando resolver um agendamento de visto de procura de trabalho que, leia-se, é obrigatório vir agendado desde o país de origem, ou outros que tentam, copiosamente, obter a referência bancária para o pagamento da taxa de renovação e são absolutamente ignorados. Mas mesmo assim o discurso é igual: não podemos dar informação.

Vocês sabiam, caros leitores, que desde 09 de julho de 2024 existe uma Resolução do Conselho de Ministros (veja aqui) que obriga a existir atendimento presencial sem hora marcada em todos os órgãos da administração? Parece-me que a AIMA é imune a cumprir a lei.

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E as renovações?

Agora, o portal das renovações foi ativado mais permanece com erros insustentáveis, como se mais fosse um software desenvolvido por alunos do primeiro ano de programação, ou seja, infantes no campo da informática. Será que a vergonha não lhes pesa? Será que o governo não se cansa de nos mentir? É um cenário de tanta desfaçatez que beira à loucura.

E vir com visto resolve? Pior é que não.

Estamos cansados de mentiras, fartos de promessas, fartos de taxas e mais taxas e de um sistema que não garante o alistamento de um trabalhador com visto de procura de trabalho, isso é uma afronta à própria Constituição, o Código de Direito do Trabalho e à lei de imigração. 

Qual a desculpa, senhores deputados da extrema de direita, de nenhum de vós se insurgir contra um ato de desrespeito à Constituição? Colocando imigrantes com visto correto na beira da clandestinidade laboral? Esse discurso cola bem na manifestação de interesse, portas escancaradas, etc etc etc. Mas o que dizer dos vistos? O vosso silêncio chega ser ensurdecedor. No fundo não querem imigrante algum. Apenas o dinheiro que deles puderem obter para garantir o pagamento de vossos salários.

Não é digno que um imigrante se veja obrigado a contratar um advogado para emitir um número de segurança social que lhe garanta trabalhar, verbo esse que é o propósito da sua estada no país.

O pesadelo do jovem sem título de residência no último ano de estudos

Não é digno que existam pessoas há mais de três anos à espera de uma vaga de reagrupamento de um filho, que se tornou maior de idade, tenha terminado os estudos e agora não se encontre enquadrado em nenhuma hipótese válida de residência.

Esse mesmo jovem, recém-saído da adolescência, se vê obrigado a continuar estudando para que lhe seja garantido o direito de aqui viver. Mesmo que, para isso, sequer lhe tenham sido dadas as condições de propinas justas na faculdade, quando pela regra da lei teria direito ao Estatuto de Igualdade.

Mas também é preciso trabalhar, porque como maior de idade o reagrupamento familiar não lhe é possível. Isso acaba por obrigá-lo a ter rendimentos tão logo faça 18 anos, já que por ser um imigrante sem documentos a vida de estudar e trabalhar se torna regra, mesmo que não haja vaga nem para uma residência ou pela outra, e metade do salário vá para pagar a graduação. Isso não é integração, é mutilação de direitos.

E o que dizer de uma polícia que nega o óbvio e expulsa uma mãe de dois filhos menores simplesmente porque não entende como funciona a lei de imigração? Muito menos o que significa o alcance de uma decisão judicial?

Toda ação, quando proposta, coloca em causa toda matéria que foi levada ao litígio, e, nesse contexto, uma vez aceita a ação, a situação jurídica dela decorrente fica em suspenso. Essa regra está no 564 b do Código de Processo Civil aguardando o pronunciamento do único com esse poder: o juiz.

Mas isso não importa para a PSP, diz que se "limita a cumprir ordens". Mas ordens de quem, se o juiz tem superior hierarquia em relação a qualquer autoridade da administração pública?

Nessa madrugada em que escrevo pergunto-me onde está o respeito às leis em Portugal? O direito brasileiro nasceu daqui. Os advogados que iniciam suas carreiras e os antigos catedráticos tinham em Portugal a referência máxima das instituições jurídicas. A Universidade de Coimbra é uma referência mundial como uma casa do saber jurídico. Para onde foi esse saber?

Para onde foi o respeito ao cidadão, seja ele imigrante ou nacional? Portugal tem se tornado um país falido, mergulhado em ineficiência e burocracia, empoeirado em seus procedimentos e vergonhoso no cumprimento do dever para com o cidadão que lhe garante o sustento. 

Brasileiro com título de residência pode votar

Se esse texto te fez pensar, está na hora de exercer o poder que tem juntamente com seu título de residência. Vote nas eleições autárquicas. Vote com consciência das políticas e propostas dos candidatos às vossas câmaras municipais. Esse país é a soma de todos os seus municípios. E agora podemos ter voz numa escolha importante. Quem comandar a sua cidade será pró ou anti-imigração?

Não é sobre direita ou esquerda. É sobre achar um candidato que não pense no seu plano pessoal e sim busque o melhor para o país, no curto, médio e longo prazo.  É pena que os mandatários deste Governo não leiam essa coluna. Do contrário, certamente teriam um peso na consciência que lhes faria, se não deixar de dormir, mas por um breve período, sentir a dor de um país em frangalhos. E não, a culpa não é e nunca será do imigrante!


*Priscila S. Nazareth Ferreira é advogada de Direito Internacional Privado a serviço da imigração.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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