Texto: Priscila S. Nazareth FerreiraSabemos que o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa tem oito dias após o recebimento do texto pela Assembléia da República para encaminhar para o Tribunal Constitucional (TC) o texto, com suas devidas ressalvas para exame de constitucionalidade. Isso significa que já nos próximos dias teremos um encerramento dessa ópera. Ops, ato falho. Estamos só no primeiro ato. Ainda faltam uns três ou quatro para que o "Gran Finale" aconteça no palco. O que representa para você, caro leitor, essa ida ao tribunal? Aposto que muitos até respiraram fundo e pegaram um certo fôlego! Mas e se eu te disser que em termos práticos nada muda? Calma! Já explico: mudar a lei de imigração era só o primeiro passo, ou até o segundo, de um plano mais robusto, que é o de reformular a política imigratória no país. É literalmente mudar da água para o vinho, ou do vinho para água, de acordo com o que melhor apetece ao freguês. O fato é que Portugal quer deixar de ser identificado como o país mais "amigo" do imigrante em toda Europa e passar a ser conhecido como o "pulso de ferro", que combate a todo custo os ilegais. Daí ter criado uma unidade de polícia especializada em tratar de forma mais ostensiva a expulsão de imigrantes e alojados nos temidos "centros de detenção", é quase ver para crer. Muito além inclusive do que era o SEF, que também acolhia a tarefa da integração. Ao separar os agentes em suas respectivas competências, a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na Polícia de Segurança Pública (PSP) definem a base de atuação e deixam claro que a integração e a ação combativa não podem andar juntas. Não se tem mais o policial "bonzinho" e "durão" na mesma sala, e com isso a ação da polícia de rua de fiscalizar imigrante se torna muito mais ativista contra imigração do que propriamente reguladora. Esse pode não ser o discurso político mas é o discurso na prática, ou alguém acredita que a abordagem será cortez e sutil na mais leve suspeita de uma pessoa estar no território há mais tempo do que o permitido?Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!Sendo assim, de que vale a lei demorar mais alguns dias de análise e reforma se ao final o estrago já estará feito? Quantos imigrantes que nos últimos dias já foram notificados ao abandono do território porque, ainda iludidos, acreditaram numa modalidade administrativa de pedir a autorização de residência? Para esses imigrantes obter uma autorização de residência já se tornou um sonho perdido, uma vez que seus nomes já foram incluídos na "lista negra" do SIS.A avalanche de ações que deram entrada no tribunal nas últimas semanas demonstra isso. Enquanto a política do Estado se mostra anacrónica, os imigrantes correm aos tribunais na busca de salvaguardar uma parcela do Estado de Direito que, nauseabundo, corre nos Tribunais Administrativos. Enfim, nasce uma nova "Manifestação de Interesse" e seu nome da moda é "Ação de Intimação", a única via disponível para fazer cumprir o texto da lei, que hoje se busca revogar.Sim, caro leitor, se hoje há um imigrante sem visto de residência, ou sem manifestação de interesse, cabe a este se socorrer da Justiça, a última porta, e que essa esteja sempre aberta a quem dela se possa valer. O que fazer quando o Governo joga ao colo do Judiciário o retrato da sua incompetência e ainda suplica para que o mesmo Judiciário lhe seja condescendente? Só o Tribunal Constitucional sabe essa resposta, enquanto isso o famigerado art 87-B, da futura lei de imigração, já entrou para os anais da história como a sátira da década. E que venham as cenas dos próximos capítulos. Essa novela está longe de terminar!*Priscila S. Nazareth Ferreira é advogada de Direito Internacional Privado a serviço da imigração..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Ventura diz que Marcelo quer enviar lei de estrangeiros para o Tribunal Constitucional.Opinião. Um triste resumo dos últimos tempos na política de imigração em Portugal