Opinião. Os ventos da extrema-direita varrem a Europa – e todos os imigrantes estão no olho do furacão
Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Opinião. Os ventos da extrema-direita varrem a Europa – e todos os imigrantes estão no olho do furacão

"Enquanto imigrantes, temos de nos informar mais sobre as dinâmicas políticas de Portugal e da Europa e parar de esperar".
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Texto: Luísa Cunha*

Escolhemos viver em um novo continente e, assim como quando mudamos de apartamento, por exemplo, é natural que façamos um reconhecimento não só da nossa nova casa e espaço privado, mas também da vizinhança, construindo mentalmente as dinâmicas de relação dentro do novo ambiente. Assim, os imigrantes precisam compreender a dinâmica deste novo mundo em que decidiram se estabelecer. É essencial nos inserirmos nas dinâmicas políticas europeias e entendermos as regras deste novo tabuleiro mundial para conseguirmos guiar nossas experiências pessoais.

"Mas eu não converso com vizinhos", você pode protestar. "Eu não voto em Portugal." Bem, votante ou não, sentimos os respingos das políticas adotadas e, para nossa sobrevivência em sociedade, é preciso termos empatia, ainda que esta não seja recíproca. Isso implica perceber o porquê de o outro pensar como pensa, calçar os seus sapatos e andar alguns bons quilômetros para, quando "descermos do salto", podermos fazê-lo com plena consciência das dificuldades sociais que estão por trás dessa crescente reação contra imigrantes, que se observa não só em Portugal, mas em toda a Europa.

Ao longo da história, especialistas relatam quatro grandes ondas de ascensão da extrema-direita política. A última, e que vivemos ainda hoje, teria surgido no início dos anos 2000, tomando força pontualmente por diversos lugares do mundo e culminando naquilo que especialistas cunham como a Extrema-Direita 2.0. O que todas essas ondas possuem em comum é que são uma resposta a crises econômicas, insegurança social, insatisfação e falta de confiança nas instituições de governo. Os ideais extremos, em qualquer sentido, são sempre uma resposta ao medo e à instabilidade e, infelizmente, os partidos que os usam têm feito um excelente manuseio deste poderio mental — o medo — como guia das massas populares.

Mas, o que afinal a onda atual da extrema-direita traz em seu arsenal para estar se prolongando tanto e trazendo mudanças a níveis culturais e ideológicos tão profundos? Ela surgiu em meio a um mundo globalizado, uma versão 2.0 de sua capacidade discursiva, fortemente armada no uso das redes sociais para disseminação de seus discursos e ideais de forma a se posicionar como "solução" para as mazelas do mundo. Afinal, em uma época de anseios por rápidas informações e rápidas soluções, quem não se admira ao deparar-se com alguém que cospe levianamente as mesmas indignações que você, mas possui o "poder" de trazer uma solução instantânea ao problema? Infelizmente, muita gente.

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Mas então onde se encaixa a imigração nisso tudo? Por que a extrema-direita se apoia tanto no discurso contra imigrantes? Está na origem dos movimentos de extrema-direita a proteção ao nacionalismo, à ideia de unidade de uma nação pela comunicação de ideais padronizados, a formação de uma cultura uníssona e um corpo homogêneo que é superior a todos os outros. É historicamente e mundialmente conhecido o fato de a extrema-direita confundir soberania nacional com o extermínio da multiculturalidade. No mundo atual, com as dinâmicas de cooperação, humanidade, e com agências mundiais de preservação dos Direitos Humanos, não é mais cabível pensar, principalmente para a Europa, em tomar um grupo étnico único como alvo de uma política higienista, como os judeus, por exemplo. O resultado? Foi preciso usar a criatividade, e a extrema-direita direcionou seus esforços à luta contra a imigração. Uma forma de "defender" a soberania nacional livrando os estados do que contamina sua boa ordem — aquilo que é de fora, diferente, novo.

A palavra de ordem que vem para "desafiar" o medo desse novo e desviar os olhares dos eleitores, camuflando a extrema-direita e o nacionalismo como um centro-direita ou "direita populista", é o nativismo. O termo, também cunhado por cientistas políticos, define uma espécie de nacionalismo em esteroides, que o transformou em uma ideologia ainda mais excludente, praticando uma inversão de valores. Ou seja, utiliza-se do próprio discurso de defesa da dignidade humana para colocar barreiras e aumentar os muros entre os países. Como afirmou o representante português do Patriotas pela Europa (PPE) pelo Chega, Antônio Tanger, em debate de plenária no dia 11/03 no Parlamento Europeu: "Os portugueses — os europeus — também têm direitos humanos. São eles o principal objeto dos direitos humanos."

São os portugueses o principal objeto dos direitos humanos? Principais? E há escada de preferência para um direito de ordem mundial inerente a todos? Enerva. Mas não é surpreendente. A jogatina do "ele contra nós", o "dividir para conquistar", é um velho truque que dá muito resultado quando se precisa controlar uma situação. É natural do homem querer sentir-se cuidado, ou até privilegiado, tendo seus anseios atendidos por uma figura superior (Deus ou o Estado), e quando a política consegue fazê-lo sentir-se o centro do mundo, é a arma perfeita de controle do ego humano. Isso, somado à fantasia do “bem comum” maior sobre o “privado” que eles ilustram para saírem como defensores da democracia sem, na realidade, admirá-la, defendê-la e contribuir para sua sustentabilidade, resulta no cenário que temos hoje.

O “pulo do gato”, por assim dizer. A “Direita populista” virou rainha dos disfarces. Partidos e coligações mesclam discursos humanitários, como empoderamento feminino e representatividade de minorias, como a comunidade LGBTQIA+, em seu corpo de governo para poder ganhar “credibilidade” ao defender ideias de origem da extrema-direita, colocando uma pitada açucarada em políticas nada humanizadas. “Remigração”, por exemplo, é apenas um eufemismo para “não te queremos aqui”. Agora digam: se parece com um pato, soa como um pato e nada como um pato, provavelmente é um? André Ventura. Certa resposta. Também é certo dizer que é alguém de extrema-direita, ligado a ideais que vão contra aquilo que conhecemos como Estado Democrático de Direito e direitos humanos em si. Não utilizo a palavra com F* para não afugentar os leitores que consegui até aqui.

Na Alemanha, por exemplo, protestos que carregaram o termo enfeitado “Remigração” reforçavam a proposta do partido de extrema-direita alemã, que levantou a pauta para, em outras palavras, apagar as diferenças para que os imigrantes sejam aceitos no país. De certa forma, para morar lá e ser cidadão daquele lugar, não bastaria respeitar a cultura, contribuir para o comércio local, pagar impostos ou aprender a língua. Seria necessário esquecer suas origens, moldar-se em um novo ser e, tal qual um pote vazio extraviado, absorver tudo aquilo que julgarem necessário. Ora, pois, não pensam que os imigrantes já passam a vida perdendo um pouco de si e de onde vieram? Agora, devemos esquecer até mesmo as lembranças que nos fizeram corajosos o suficiente para pisar em sua terra e construir ali uma nova vida? E por que sua psique haveria, obrigatoriamente, de ser melhor que a nossa? Não é.

Ah, mas Portugal está muito distante desta realidade. Não preciso me preocupar. Será? Temos novas eleições de governo à vista. A vizinha Espanha tem o partido VOX ganhando forças nos círculos eleitorais. Se chegarmos “ao fim e a cabo” com o Chega no comando, quem definirá quem fica e quem sai? Hoje, “são apenas os ilegais”. Mas não há muitos nesse bolo que só não possuem nome nos registros do sistema por pura ineficiência do governo português? Amanhã, quem me garante que não serei eu?

O problema é que o mundo anda brincando de trapezista, em uma linha muito tênue, que pode, com um espirro, ver toda a construção democrática jogada ao ar. No caso dos imigrantes, por exemplo, viemos acompanhando o reality da presidência de Donald Trump e suas “Remigrações”, que incluíram recentemente a retirada de cidadanias de cidadãos indesejados pelo governo para manutenção da ordem. “Mas a Europa é mais civilizada”, vão dizer. Até quando? Viktor Orbán, primeiro Ministro da Hungria e líder de extrema direita já é exaltado como o “Trump before Trump” e nas palavras do mesmo "Ontem diziam que éramos a exceção, hoje lideramos uma ideia; ontem diziam que éramos o passado, hoje somos o futuro". E eu temo que ele não esteja tão errado.

Enquanto imigrantes, temos de nos informar mais sobre as dinâmicas políticas de Portugal e da Europa e parar de esperar, tal qual os eleitores da “Extrema - Direita açucarada”, respostas rápidas através de reels, legendas do Instagram ou vídeos do TikTok.

É através do conhecimento, por exemplo, de para que serve o Parlamento Europeu, quais coligações políticas lá existem e quem defende estas ideias, quais países se incluem nesses discursos e da percepção da origem dessa dissimulação anti-imigratória e das armas utilizadas por quem a apoia, que conseguiremos resistir à ludibriação egoística à qual muitos portugueses também se apegam para justificar seus votos ou se eximir de debates sociais necessários. Frases como “Não me incluo nesta política anti-migratória, pois já tenho minha nacionalidade” ou “Não é comigo, tenho visto”, e do lado de cá, “Não é para você, você não é ilegal”, são extremamente perigosas.

E isso tudo justifica a hostilidade contra estrangeiros que sofremos diariamente? Não. Mas compreender esse cenário global é essencial para que imigrantes não carreguem um fardo de culpa ou ansiedade por não serem “bons o suficiente” ou “não fazerem o bastante”. Os números provam que os imigrantes contribuem significativamente para as economias locais, tanto no comércio quanto no pagamento de impostos. Ainda assim, muitos vivem na angústia de provar constantemente seu valor e buscar aceitação em uma Europa onde o problema da xenofobia não se limita a um único país, mas atravessa fronteiras e se fortalece dentro da União Europeia.

A resposta? Resistir. Exercitar a cidadania, se informar, fortalecer redes de apoio e unir-se a quem combate essas ondas de exclusão. Nenhuma mudança acontece sem mobilização. Não pisamos na Europa para declarar que esta terra agora é nossa. Mas, se há algo que trouxemos conosco, além da coragem de recomeçar, é a certeza de que também fazemos parte desta sociedade – e lutaremos para ser reconhecidos como tal.

*Luisa Cunha é advogada e imigrante brasileira radicada em Portugal há três anos. Coordenadora do Projeto "Duetos" e membro da equipa do FIBE, é pesquisadora nas áreas de direitos humanos, cooperação internacional e gestão de ONGs.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicado à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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