Opinião. O silêncio depois do “boom”: a bomba das legislativas portuguesas
PAULO SPRANGER.

Opinião. O silêncio depois do “boom”: a bomba das legislativas portuguesas

"O pior? Há grande parte dos imigrantes — falo principalmente dos brasileiros, afinal, formamos também grande parte dessa comunidade em Portugal — que assistiu feliz a essa contagem ao desastre."
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Texto Luisa Cunha*

Estive, há algumas semanas, em um debate acalorado sobre as legislativas portuguesas. Algo que já não fazia há muito tempo, por medo dos gatilhos adquiridos pós-2018 e de toda a cisão social que presenciamos por conta de eleições de corda bamba, onde só podíamos cair para a esquerda ou para a direita, mas em que qualquer escolha nos levava na mesma direção: para baixo — quando se tratava de coesão social.

O debate em questão foi com um conhecido português, de uma geração anterior à minha, eleitor do Chega. E o diálogo terminou com a ideia com a qual saio de todas as conversas com seus apoiantes: é difícil, e cada vez menos as pessoas aprendem a pensar fora de sua bolha. Com este conhecido , em questão, sua lealdade ao voto no Chega dava-se ao fato de que ele não acredita — e ficou bem ofendido quando dei minha opinião de imigrante — que os portugueses são xenófobos. Fui banhada com relatos de tantas e tantas histórias de seu círculo de convivência geracional e social, e percebi que ali, na bolha dele — 60+, classe alta portuguesa — realmente poderiam não ser. De certa forma, então, simpatizei com sua indignação diante da minha afirmação. Afinal, não se pode entrar em um debate sem estar disposto a se colocar no lugar do outro.

Ponderei, então, em seguida, que, a título de exemplo, a geração com a qual eu tinha mais convivência — dos 25 aos 40 anos, classe média portuguesa — não pensava como ele, que não havia nenhum sentido de harmonia, igualdade ou acolhimento para com os imigrantes, e que havia presenciado o palavrão ao qual ele se ofendeu (xenofobia) em diversos círculos de convivência: profissionais, universitários e cotidianos. Mas, infelizmente, não tive sucesso em convencê-lo do óbvio: ao votarmos, temos de pensar que votamos não só para o nosso próprio universo pessoal, mas para um público geral que desconhecemos e cuja realidade ignoramos.

Seria esse o grande problema atual, que dá tanta brecha à direita no crescimento nas urnas pelo mundo? Estamos numa vertente tão crítica socioeconômica em Portugal, especificamente com as crises habitacionais e de emprego, que as pessoas perderam o tempo ou a vontade de pensar além de sua própria bolha? Por isso passaram a votar naquilo que as ludibria com as palavras certas de indignação e que resolverá o seu problema imediato? Ou toda essa crise só tem servido para revelar a verdade que todos ignoramos: o homem é, sim, mau de natureza, não existe nada que nos corrompa porque já nascemos assim? De alguns anos para cá, tenho a sensação de que a máxima por dentro da mentalidade de cada um é: “Que se dane o bem maior, não há mais tempo, nem recursos, nem visão de futuro promissor para permitir-se pensar no próximo.” Como deixamos chegar até aqui?

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Por isso, digo: todos nós sentamos e assistimos ao relógio decrescente dessa bomba estourar. Não foi por falta de aviso — talvez falta de uma esquerda mais coesa e ávida para se renovar e mudar seus discursos, como tem feito a direita — mas falta de aviso não foi. O pior? Há grande parte dos imigrantes — falo principalmente dos brasileiros, afinal, formamos também grande parte dessa comunidade em Portugal — que assistiu feliz a essa contagem ao desastre.

E o silêncio a que me refiro no título deste artigo foi o meu próprio. Sinceramente, a sensação de déjà-vu do desastre social me deixou muda. O medo e a insegurança que toda essa guerra política traz ao nosso cotidiano tiraram minha voz por quase um mês. Sentei-me e assisti ao cogumelo se formar após as legislativas do último domingo, com um certo zumbido no ouvido, que só agora está se esvaindo. No fundo, não esperava um resultado diferente frente aos desafios sociais que uma onda de imigração desregulada trouxe não só aos portugueses, mas também a nós, imigrantes, que escolhemos Portugal como casa. Mas minha origem não deixava de tentar manter de pé, no fundo da mente, que a esperança é a última que morre. Mas ela morreu, foi pelos ares e deixou um buraco para os 58 deputados de um partido anticívico pousarem no seu lugar.

Anticívico porque, vejam, o meu problema não são as políticas do Chega ou o que este partido, pessoa, representa para você, que tem ensino superior, acompanha notícias políticas ou vive, na bolha em que convive diariamente, onde imigrantes e portugueses vivem na mais perfeita harmonia. Meu problema é o que ele representa para o seu João da padaria de Trás-os-Montes, que acha que qualquer um que não tenha o seu sotaque não é gente. Ou para a Maria de Lisboa, que acha que os imigrantes roubam suas vagas de emprego, enquanto ela mesma deixou sua ganância formativa na gaveta e espera o melhor na sua profissão em alguma espécie de direito adquirido por nacionalidade. O meu problema é que você vota no Chega para um país e só pensa no seu entorno. E, se você vota em alguém que é capaz de legalizar pensamentos de ódio para tantos outros portugueses, menos “letrados” que você, sinto-lhe dizer: você é tão xenófobo e culpado pela espiral de ódio que os extremos causam e que vai assolar o seu país quanto qualquer um que foi “desavisado” à urna, iludido por uma promessa de limpeza racial.

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Pior ainda, na minha opinião, se você se considera alguma espécie de imigrante premium business e vota no Chega olhando para quem chegou depois com algum desprezo. Repito: estamos atrás de você, sim, em ordem de chegada, mas, do alto do plano, estamos os dois na mesma fila de discriminação e deportação.

Sinceramente, não sei se posso ficar surpresa com o comportamento dos imigrantes brasileiros apoiadores do Chega. Afinal, há, sim, grande parte dos eleitores partidários deste senhor, que aqui estão, que vieram fugindo do “comunismo brasileiro petista” e que vieram com seus bolsos se abrigarem da violência do Brasil, disseminando suas verdades da maneira mais segura e eficaz já inventada pela humanidade. Não a ciência. Os grupos de WhatsApp.

Exportamos o vírus do bolsonarismo e me pergunto se não temos aqui, no meio desta onda de desinformação e ódio portuguesa, algum dedo de influência nessa pandemia da direita que não quer transformar Portugal em algo melhor, mas purificar o país de alguma praga ilusória.

Temos grandes riscos de sermos os cavaleiros do apocalipse.

*Luisa Cunha é advogada e imigrante brasileira radicada em Portugal há três anos. Coordenadora do Projeto "Duetos" e membro da equipa do FIBE, é pesquisadora nas áreas de direitos humanos, cooperação internacional e gestão de ONGs.
O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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