Opinião. Estrutura de missão da AIMA: solução ou problema?
Texto Priscila Santos Nazareth Ferreira*
O papo será longo. Mas valerá a pena. Então acompanhe comigo.
Sempre fico animada quando vejo o governo se "mexendo" para tratar dos atrasos na questão da imigração. Mas como gato escaldado tem medo de água fria, como se diz no Brasil, tenho acompanhado de perto o processo na estrutura de missão com um pé atrás.
Isso porque, depois de quase uma década trabalhando com imigração, e após quatorze vezes em que a lei de imigração foi alterada desde que cheguei em Portugal (a lei estava na 4°versão, agora estamos na 17°versão, alterada em 13/2/2025) já passei por varios modelos de governação em Portugal, e cada um que surge acaba por se "embolar" na resolução do tema sem de facto tratá-lo como deve ser. Mas vamos ao cenário:
É excelente a AIMA chamar às pessoas para entrevista, numa mega operação coordenada, que serviu para mostrar que quando se quer fazer, a coisa acontece. Vontade posta em ação é tudo. E faltava isso ao governo anterior. Temos que admitir. Entretanto, depois de comparecer a milhares de entrevistas no antigo SEF, e também agora com a AIMA, pude perceber a "fragilidade" do método adotado na estrutura de missão. Primeiro não há um protocolo na forma como deve ser, de acordo com a recolha biométrica e identificação fácil, tal como acontece na loja tradicional. Você fica à espera que te mandem um e-mail, e se não mandarem? Ops, já foi, vai você provar como que esteve lá? Testemunha do amigo? Incumprimento claro do artigo 64 que trata da integridade das diligências em procedimento administrativo. Que oficial assina eletronicamente seu comparecimento, caro leitor? Pois é, ninguém. É o dito pelo não dito e reze para o e-mail chegar. Ofensa clara ao artigo 19 do Decreto Lei 135/1999.
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Mas avancemos...
Segundo porque na entrevista padrão, a pessoa tem a oportunidade imediata de contestar qualquer fala equivocada do atendente, e nisso a figura do advogado se faz fundamental, porque ao conhecer o procedimento de maneira ampla pode fazer valer sua oposição a qualquer arbitrariedade que seja exigida ao imigrante, que vamos confessar, têm sido comum. Um exemplo disso é exigir apostilamento certidão de antecedentes criminais de brasileiros, quando é prática comum há anos o aceite desse documento com o antigo certificado de validação e agora no formato QR code.
Se uma pessoa espera há três anos ou mais para ser chamado a uma entrevista, sem poder sair do território justamente por causa dessa situação, e o apostilamento é um documento que se obtém no país de origem, como exigir a atualização do apostilamento de um documento cuja validade expira em três meses? Existe alguma lógica nesses indeferimentos? Opa, e se o objetivo for exatamente esse? Atrasar as análises porque de facto o governo não tem condições de fazer a entrega daquilo que todos querem: a tão sonhada autorização de residência?
Senhores, senhores, sejamos francos! Eu não fiz uma dúzia, cem, mil, e sim milhares de entrevistas junto à autoridade migratória seja com que nome for, AIMA, SEF, irrelevante. E nunca nessa quase uma década de trabalho deixei de aprovar a residência de meus clientes porque a certidão de antecedentes criminais da Polícia Federal não estava apostilada. E nesse sentido vamos à lei.
Art 42-C do Decreto-reg 84/2007. "A informação sobre antecedentes criminais do requerente em países terceiros é comprovada nos termos seguintes:
a) Através de consulta ao sistema de informação do registo criminal do país de nacionalidade ou do país de residência onde reside há mais de um ano, consoante os casos; ou
b) Quando não seja possível aceder à informação nos termos previstos na alínea anterior, através de certificado de registo criminal do país de nacionalidade ou do país de residência onde reside há mais de um ano, consoante os casos.
Ou seja, a própria AIMA pode fazer a consulta. E somente quando não é possível fazer deve pedir o documento. No nosso caso, o documento já lhe é entregue e com o código que permite à sua conferência quanto à originalidade! Entenderam porque sempre se aceitou a CAC sem apostilamento? A missão era dar residência às pessoas ou atrasar ainda mais a vida do imigrante?
Outra questão que levanta curiosidade é a análise feita por meus pares, os advogados, parece que há cerca de 300 a fazer esse trabalho. Não que se possa dizer que é proposital, mas será que os que estão operando essa máquina estão realmente familiarizados com a legislação de imigração? Ou são apenas um grupo de profissionais que viu na demanda uma oportunidade de acréscimo de receita mas não estavam realmente preparados para a tarefa?
Vejam que são apenas questões que coloco, isso porque nunca antes vi "decisões" com tão elevado grau de absurdo, como exigir renovação de documentos como recibos e contribuições à segurança social porque os documentos estão "desatualizados". Caríssimos leitores, depois de mais de cinco meses de atraso nas análises, como os documentos estariam atualizados? Só se o tempo andasse para trás.
Além disso, com respeito ao pedido de relatório de contribuições esse documento é de acesso da própria AIMA, e cabe ao governo consultar diretamente ao órgão respectivo, como reza o artigo artigo 42.º-G, a saber "A Informação comprovativa da existência ou manutenção de vínculo laboral ou de procura de trabalho. A informação sobre a existência de vínculo laboral, a sua manutenção e a demais informação legalmente exigida relativa a vínculo laboral em território nacional é comprovada através de consulta ao sistema de informação da segurança social ou da Autoridade Tributária".
E mais, se há dúvida quanto à consulta então se pede ao requerente da residência que apresente o tal suposto vínculo, ou seja o próprio contrato ou recibo emitido, documentos esses que obviamente foram apresentados no dia da entrevista, e em grande parte apresentado no portal de acesso antes da data de apresentação na estrutura de missão.
Há que se duvidar, portanto, desses "projetos de indeferimento" e sua credibilidade quanto à uma análise rigorosa dos documentos ou se está tudo sendo feito a correr e daí as inconsistências. E porque eu coloco a lei nos nossos artigos? Para que você que não a conhece passe a entender como pode reivindicar quando SEU DIREITO é desrespeitado.
Bom, segundo o Presidente Pedro Gaspar ainda há 133 mil processos a serem instruídos, então que bom! Dá tempo dos responsáveis lerem nossa matéria e sairem a correr para pedir aos analistas que façam o dever de casa, ou seja, confiram na lei aquilo que se deve de facto exigir do imigrante, e, é claro, deixar de pedir absurdos a quem está há 3 anos à espera que lhe seja entregue o título de residência. Encerro essa minha análise do quadro por aqui, com meu olhar sempre atento às incoerências deste nosso Portugal.
Priscila Santos Nazareth Ferreira é advogada, especialista em Direito Internacional Privado.*