"Sendo imigrante, a gente busca uma bateria extra no intuito de preencher o sentimento de casa, família e segurança".
"Sendo imigrante, a gente busca uma bateria extra no intuito de preencher o sentimento de casa, família e segurança".Foto: Canva

Crônica. Um sopro de bem-querer

"Que 2026 venha como esse sopro de gentileza e bem-querer confiado ao pé do ouvido"
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Texto: Cristina Fontenele*

A experiência de sentar à mesa, saborear as conversas, beber das boas companhias ainda é um banquete de bem-viver. Servir presença, escuta e gentileza é uma receita que agrada aos mais exigentes paladares. Felizes e sábios os que aproveitam os encontros para celebrar a vida.

As confraternizações podem ser polêmicas, esgotantes, sim, mas também podem inspirar recomeços, renovar ânimos e ser aquele tapinha nas costas que se traduz em um “vai dar tudo certo, amigo. Continua!”.

Precisamos desses estímulos de vez em quando. Confirmações sensoriais, afetivas que nos impelem a seguir - tentando, experimentando. É aquela pausa que nos enche de coragem para realizar coisas pela primeira vez. 

E no fim do ano, como é importante receber esse incentivo, estar próximo a pessoas que nutrem nossa energia e disposição. Sendo imigrante, a gente busca uma bateria extra no intuito de preencher o sentimento de casa, família e segurança. Um reforço subliminar indicando estarmos no caminho certo, considerando que o “certo” é um percurso individual e intransferível. 

Às vezes, encontramos essa força nos amigos, em recém-conhecidos, ou na ligação de vídeo que passa o telefone por todos os parentes durante a reunião familiar. “Boas festas, primo!”; “Saudade, meu irmão.”; “A decoração esse ano se superou, tia”. E a conversa sempre termina com a célebre pergunta: “Quando você vem ao Brasil, querida?”.  

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O imigrante se reconhece nessa nostalgia. Uma mistura de saudade, breve ponderação sobre as escolhas - o que foi, o que é, o que ainda poderá ser -, uma respiração profunda seguida de um chacoalhar no corpo a dizer “vamos em frente”. Tudo em poucos minutos, acentuado pelo clima de encerramento de ano que põe a vida sob perspectiva. Como versa a cantora Simone: “E o que você fez? O ano termina e nasce outra vez.”

Para me renovar e compor o que espero no ano vindouro, resolvi passar o final de 2025 com um casal de amigos e a filha deles na Suíça. É uma amizade herdada da minha mãe (foram amigas de adolescência) e que, mesmo tão longe da minha casa primeira, traz o aconchego necessário em períodos de transição. 

Logo que cheguei ao apartamento deles, uma placa na porta anunciava: “Aqui tem uma brasileira feliz”. Pensei se os vizinhos suíços entendiam aquela declaração de autoamor em outro idioma, mas percebi que o valor maior está na saudação diária no entra e sai de casa. Um lembrete de que, apesar da neve, o frio não congela um coração cheio de afeto.

Abri um sorriso, tomei emprestada a afirmação enquanto era recebida pelo calor conterrâneo dos abraços e da frase sussurrada com carinho: “Seja bem-vinda. Você está em casa, minha menina”. 

Que 2026 venha como esse sopro de gentileza e bem-querer confiado ao pé do ouvido. 

*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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