Opinião. 8 de março: a luta pelo parto respeitado é feminista
Texto: Stéfanie Stefaisk*
Começo esse texto indignada pelo absurdo que é precisarmos ir às ruas reinvindicar direitos básicos. Mas nós (ainda) estamos aqui, com o perdão do trocadilho, em mais um 8 de março, lutando pela igualdade e por direitos que nos foram usurpados, como o direito a termos um parto digno e respeitado.
Parece uma loucura distópica termos que brigar para que o dia do nascimento do nosso bebê seja lembrado como um dia feliz e não como um dia cheio de traumas a serem superados. Nós merecemos muito mais do que sermos sobreviventes dos nossos partos. E se a violência obstétrica é uma violência de gênero, pois é praticada única e exclusivamente contra as mulheres, então a luta por um parto humanizado é, em todos os contextos, uma luta feminista.
Ao longo da história, desde que o mundo é mundo, as mulheres davam à luz ao lado de outras mulheres: parteiras, doulas, mães, avós, tias, irmãs. Foi somente no século XVII que a figura médica masculina (uma vez que era vetado às mulheres exercerem a medicina), invadiu o cenário do parto. A partir de então, o parir sofreu uma mudança drástica: a mulher foi obrigada a parir deitada, afinal, onde já se viu um médico, homem, se sujeitar a ficar sentado no chão enquanto a mulher dá a luz. As mulheres, que são inferiores, que se deitem! Ganhamos também episiotomias e uma série de procedimentos totalmente desnecessários aos nossos corpos de brinde por todo o "privilégio" de sermos atendidas por homens. Nós, que parimos desde que o mundo é mundo, passamos a ouvir que "quem sabe é o médico". Deixamos de ser a pessoa mais importante da sala de parto para sermos coadjuvantes de uma cena em que o foco é o médico.
Com o passar dos anos, a inserção de mulheres na medicina não melhorou o cenário, que já tinha a violência sistematizada: agora, até mesmo as mulheres que se tornavam médicas e parteiras perpetuavam as condutas misóginas que aprenderam com seus mestres. A isso damos o nome de patriarcado. A violência contra nossos corpos e nossos bebês passou a ser a regra e testemunhamos perplexas a estas violências até hoje, nos blocos de parto espalhados por Portugal e pelo mundo.
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E engana-se quem acha que, para fugir de um parto violento basta recorrermos a uma cesárea. Não dá para fugir de uma violência caindo nos braços de outra violência. Muitas de nós não querem sofrer uma cirurgia, com todos os seus riscos associados, desnecessariamente, e imputar cesáreas a todas também é violência obstétrica. O que queremos é um direito fundamental básico: o respeito pela dignidade da pessoa humana. Nós temos direito de parir com respeito e não há nada mais feminista do que isso.
A luta pelo parto respeitado e pela autonomia dos nossos corpos ao passarmos por um processo fisiológico é uma luta de todas, até mesmo daquelas que querem uma cesárea ou daquelas que não querem colocar uma criança no mundo. O feminismo precisa abraçar as mães e as mães precisam abraçar o feminismo, porque maternar não é prisão, mas sim revolução. E tudo é político quando se é mulher.
No mais, fica aqui o último recado: eu não vim da sua costela, você quem veio do meu útero!
*Stéfanie Stefaisk é mãe, jornalista, doula, imigrante e feminista. Acredita que a maternidade é revolucionária e que o matriarcado é a solução para todos os problemas.