Texto: Priscila S. Nazareth FerreiraForam necessários milhares de processos sobrelotarem o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Foi preciso se atingir o insustentável, tal como é situação que hoje nos encontramos, com mais de 100 mil processos distribuídos em face da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA,) para que a óbvio da ineficiência do Estado Português ganhasse as páginas do jornal em cenário desconcertante.Os litigios "artificiais", como classificados pelo Sindicato dos Juizes Portugueses, revelaram algo que essa advogada, juntamente com tantos outros pares, sempre disse: a perversa transferência de responsabilidade.Os imigrantes litigam contra o Estado na busca de um simples agendamento. Atividade essa que, em qualquer outro país da União Europeia (UE), se consegue facilmente em questão de minutos.Mas é necessário fabricar uma crise, é necessário tornar os procedimentos arcaicos, justificar o injustificável. Do contrário, o discurso político que "criminaliza" a imigração não ganharia corpo, e com isso o Governo também não conseguiria "roubar" votos da extrema direita, que justamente tem avançado em Portugal com a culpabilização do imigração para todos os problemas que o país enfrenta. Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!É sempre necessário definir um culpado, mesmo que a verdadeira culpa esteja deitada em berço de ouro, se regozijando da cara dos verdadeiros inocentes. Essa mesma transferência de responsabilidade tem um alto custo para os mesmos portugueses que reclamam da imigração. Apesar de somente quem é imigrante precisar da AIMA, os tribunais tem uma demanda universal, cujo acesso não está definido pela origem do cidadão. Logo, com o "colapso" do sistema pelo excesso de ações, os juízes deixam de estar disponíveis para tratar a infinidade de processos que a natureza não se reduz a um simples agendamento.Afinal, queira a sociedade portuguesa reconhecer que o estado paga salários altos a um grupo de pessoas cuja única atividade nos últimos dois anos tem sido tratar dos atrasos da AIMA. Enquanto isso, os funcionários que ocupam os quadros mais básicos do serviço público se recusam a fazer o que lhes compete: prestar o atendimento ao cidadão.Essa inversão nem sequer é mencionada. Mas está mais do que na hora de deixar de ser ignorada: é tarefa de um magistrado cuidar de um pedido de agendamento de residência de um simples imigrante? Para o Governo Português parece que sim...Bendita hora em que o Sindicato dos Magistrados se insurge contra esse desparate. Bendita hora em que o apelo de um conjunto de milhares de advogados é ouvido. Bendita a hora em que finalmente não se normalizou o absurdo. Confesso que eu já tinha perdido as esperanças. Mas hoje as vejo renovadas. Ainda posso dormir e acordar com a certeza de que no Poder Judiciário ainda se escuta a voz da razão. Sendo assim, esperamos que o Ministério da Presidência responsável pela pasta da AIMA apresente uma resposta condigna. Pare de insuflar uma crise, e haja com a honestidade esperada: divulgue os valores arrecadados com as taxas pagas pelos imigrantes, o valor gasto com trabalhadores extras e logística. E o quanto se deixou de investir em aperfeiçoamento do trabalho justamente para criar o cenário da crise:Limitaram a competência territorial;Fecharam o portal de agendamento para quase todos os tipos de residência;Deixaram de expedir os títulos no prazo previsto em lei;Erraram copiosamente as análises de documentos;E por fim impediram o reagrupamento.E tudo isso sem equacionar o impacto desses erros nos demais setores da Administração Pública. Diante de fatos não há argumentos. Que os juízes saibam reconhecer todos os fattos e aplicar a justiça a quem dela carece: o imigrante.*Priscila S. Nazareth Ferreira é advogada de Direito Internacional Privado a serviço da imigração..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Opinião. A força da mistura das vozes no grito do imigrante: num grito nos tornamos nação.Ações judiciais contra a AIMA sobem para mais de 100 mil