Opinião. Ser imigrante nos traz uma nova consciência política?
Texto: Cristina Fontenele*
Neste domingo, Portugal vai às urnas para eleições legislativas, a decidir o futuro do país pelos próximos quatro anos. Uma escolha que incidirá sobre a vida de portugueses e imigrantes. Mas será que, ao mudar de país, o imigrante também amplia sua consciência social e política?
Já se foi o tempo de alguém bater no peito e dizer “política não me interessa”, “política não se discute”. A vida cotidiana, o pão que se come, o transporte que se utiliza, a casa onde se mora são atravessados por essa esfera. Não atentar para tal questão equivale a viver em uma bolha, enquanto possíveis mudanças na legislação podem afetar o destino de milhares de imigrantes.
A política é, inclusive, um dos fatores que influencia na decisão de migrar. Foi e é o caso de muitos brasileiros. Sair do próprio país nos convoca a desenvolver habilidades, entre elas a capacidade de análise crítica. A mudança nos convida a ocupar novos espaços, seja no trabalho, na sociedade, na interação com as pessoas e com o idioma. Geralmente, não estamos preparados para tais desafios, por mais que nos informemos antes de emigrar.
Uma amiga, que vive há quase sete anos em Lisboa, comentou que se sentiu no limbo profissional ao chegar em Portugal. Não imaginava que as experiências anteriores não seriam consideradas, tendo ela já ocupado cargos de gerência e trabalhado em empresas de renome no Brasil.
Entretanto, as dificuldades enfrentadas no mercado laboral a levaram para um estado de empatia. Ela começou a ter contato com grupos de apoio feminino e, sempre que possível, dá preferência a trabalhar com mulheres imigrantes. “Reconheço o desafio de iniciar carreira num novo país, é como se fosse uma página em branco. Nascemos do zero, mas sem pai nem mãe, e sem referências.”.
Por ter sofrido xenofobia linguística no Mestrado, essa amiga relata que a consciência política mudou consideravelmente e despertou o senso de patriotismo. “Eu jurava que falava português. Isso do idioma mexeu mesmo comigo. Como imigrante tive (e tenho) que lutar todos os dias pelos meus direitos.”.
A filha dessa amiga chegou com 13 anos de idade em Lisboa e viu sua consciência política e social se desenvolver nas terras portuguesas, sobretudo, após enfrentar xenofobia na escola. “Tomei mais consciência do preconceito, até porque só sabemos de verdade quando passamos por ele.”. Recentemente, ela decidiu se filiar a um partido que acredita ser o mais ligado à causa dos imigrantes e das mulheres.
Um colega brasileiro disse que mudar-se para Portugal trouxe mais consciência sobre o que é ser imigrante e lançou luz sobre como o próprio Brasil trata aqueles que recebe. “A gente fala que o Brasil é acolhedor, mas trata os imigrantes de forma ruim e preconceituosa.”, reflete.
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Já uma colega da Venezuela confessa que só se interessou pela política um pouco mais velha, depois do governo de Hugo Chávez. E seguiu com tal consciência quando veio morar em Portugal, há sete anos. Mesmo com dupla cidadania (os pais são da Madeira), ainda se sente como imigrante. Ela defende que os governos precisam, sim, regular e controlar a imigração, bem como perceber qual o perfil do imigrante que lhes interessa. Nesse pleito, já assegurou sua participação votando antecipado.
Os próximos meses serão cruciais sobre questões pendentes no tocante à imigração. Entre as tantas adaptações que precisamos empreender enquanto migrantes, talvez, passemos por mais um ciclo de resiliência.
*Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.