O advogado brasileiro André Lima responde, todas as semanas, a uma dúvida dos leitores e leitoras do DN Brasil sobre imigração."Nesta semana, não respondo a uma pergunta. Faço eco às milhares de vozes que gritam por justiça - são muitos imigrantes em dúvida e prejudicados por esta situação. O tema não é uma dúvida pontual, mas sim uma denúncia: o bloqueio injustificado da emissão do NISS pela Segurança Social, que está a impedir a regularização de estrangeiros que chegaram legalmente a Portugal, com visto válido e com vontade de contribuir para o país.Chegar a Portugal com visto de procura de trabalho deveria representar uma oportunidade legítima de regularização. Porém, a realidade é outra: nem o trabalhador consegue solicitar a inscrição do NISS, nem as próprias empresas que têm interesse em contratá-lo conseguem efetuar o pedido pela Segurança Social Direta. O resultado é um ciclo vicioso que paralisa tanto quem busca trabalhar como quem precisa de mão de obra.É verdade que se entende a restrição para a inscrição de estrangeiros sem qualquer vínculo com Portugal, que não tenham autorização de residência ou que entrem apenas com vistos de turismo (ou isenção dele), por exemplo. Mas não faz o menor sentido dificultar a vida de quem apresenta exatamente os documentos que autorizam o trabalho. Afinal, o visto de procura de trabalho foi criado com essa finalidade: permitir que o estrangeiro entre no país, encontre emprego e se regularize.O mais grave é que o NISS sempre foi, e deveria continuar a ser, um procedimento simples. Ele não é — e nunca foi — um documento que garante permanência legal em Portugal. Trata-se apenas de uma inscrição administrativa para registar contribuições, assegurando que o trabalhador cumpra com as suas obrigações e, sobretudo, que o Estado receba os valores devidos. Quando a Segurança Social cria barreiras artificiais para emitir o NISS, prejudica tanto o imigrante quanto a própria máquina pública, que deixa de arrecadar contribuições.A prática atual dos balcões da Segurança Social chega a ser absurda: exigem a autorização de residência para emitir o NISS, mas, ao mesmo tempo, o NISS é um dos documentos essenciais para que o contrato de trabalho seja registrado e para que a própria autorização de residência seja concedida. É a clássica “brincadeira de gato e rato” em que o imigrante é tratado como culpado por um impasse quenão criou.Clique aqui e siga o canal do DN Brasil no WhatsApp!E enquanto isso, milhares de pessoas que chegaram legalmente, com vistos emitidos pelo próprio governo português, acabam humilhadas. Temos casos de estrangeiros com contratos assinados e pedidos de registro feitos pelas empresas que não são atendidos pela Segurança Social. O resultado é perverso: o trabalhador fica impedido de prosseguir com a sua regularização e Portugal perde contribuições que lhe pertencem por direito.O bloqueio à emissão do NISS tem efeitos imediatos no mercado de trabalho. Muitos empregadores, por receio de fiscalizações ou multas, simplesmente se recusam a contratar quem não tenha o documento. Embora a Segurança Social declare oficialmente que “o NISS não precisa constar no contrato”, a prática é outra. As empresas não arriscam, e os imigrantes perdem oportunidades valiosas de integração laboral.Sem alternativas, muitos imigrantes acabam aceitando trabalhos informais, sem registro, sem contribuições, sem proteção legal e sem acesso a benefícios sociais. Em vez de promover inclusão e integração, o Estado alimenta um cenário de exploração e vulnerabilidade. O discurso político fala em atrair mão de obra e em facilitar a vida de quem chega de forma legal. A realidade, porém, é que a burocracia afasta talentos e empurra pessoas para a margem do sistema.Não adianta apresentar queixas no livro amarelo. As respostas são vazias, repetitivas e sem qualquer solução concreta. A inércia da Segurança Social e do Governo é irresponsável e contradiz o discurso oficial. Recentemente, o Executivo chegou a anunciar, em tom triunfalista, a criação de lojas exclusivas para emissão de NIF, NISS e número de utente. Mas quem está no terreno sabe que tudo isso não passa de propaganda: na vida real, o sistema continua emperrado e sem respostas.As falhas na emissão do NISS têm consequências que vão muito além do imigrante individual:• Para o trabalhador, significam bloqueio no acesso ao mercado formal, risco de não cumprir os prazos do visto de procura de trabalho e cumprir os requisitos para concessão da autorização de residência, com consequente perda de estabilidade e dignidade. • Para o Estado, representam perda de arrecadação, enfraquecimento das políticas de imigração e contradição com o discurso de integração. • Para os tribunais, já sobrecarregados com milhares de ações contra a AIMA e o IRN, significam mais uma enxurrada de processos, agora contra a própria Segurança Social.Até quando?O estrangeiro que cumpre todos os requisitos, chega com visto válido e encontra trabalho está a ser impedido de se regularizar por falhas estruturais do próprio Estado. E, no fim, quem mais perde é o governo português: arrecada menos, empurra mais pessoas para a informalidade e acumula novos processos nos tribunais. Não se trata de pedir privilégios. Trata-se de exigir que o Estado cumpra a sua parte e não crie obstáculos artificiais que colocam o imigrante numa situação de humilhação e o país num cenário de descrédito..Tem uma pergunta?Basta enviar para o e-mail dnbrasil@dn.pt que a resposta será publicada às quintas-feiras no DN Brasil..Quem é o advogado que responde?André Lima, Advogado, inscrito nas Ordens dos Advogados de Portugal e do Brasil, pósgraduado em Finanças, Reestruturação e Contencioso Corporativo pela Universidade Católica Portuguesa, e pós-graduando em Direito Internacional, Imigração & Migração pela EBPÓS. É mentor dedicado de advogados em ascensão e membro ativo de diversas associações jurídicas, incluindo o IBDESC, ABRINTER e ABA, que destacam o seu compromisso com a internacionalização do direito e a sua contribuição para a comunidade jurídica internacional..O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil..Pergunte ao Advogado: para o visto de procura de trabalho, o que fazer se já não tenho contrato?.Pergunte ao Advogado. O que fazer quando a residência renovada nunca chega?