Opinião. Português, uma língua de conhecimento
Texto: Cesar Martins*
A experiência de estudar e investigar em Portugal tem sido, para muitos brasileiros, uma travessia de refinamento. Aqui, encontram-se rigor metodológico, tradição universitária, redes consolidadas e o privilégio de fazer parte de um sistema de ensino com forte inserção europeia. Mas é hora de reconhecer o outro lado desse percurso: o Brasil — com sua imensidão de desafios e criatividade aplicada — pode ser o lugar aonde o conhecimento retorna para se transformar em impacto social.
A Unesp , uma das instituições brasileiras mais internacionalizadas, com 190 acordos firmados com universidades de 43 países, programas ativos de intercâmbio e laboratórios de ponta que operam em rede. O mais importante, no entanto, não é a estatística, mas a visão institucional: trata-se de uma universidade que vê na cooperação internacional um compromisso ético com o conhecimento transformador. E que aposta, de forma estratégica, na língua portuguesa como infraestrutura partilhada de saber.
Não se trata apenas de exportar ciência em inglês, mas de consolidar um circuito de produção científica em português — mais inclusivo, mais adaptado aos nossos contextos, e com vocação transcontinental. Exemplo disso são as parcerias que reúnem intercâmbios de estudantes e professores de universidades de Portugal, Brasil, Angola e Moçambique, assim como projetos que investigam sistemas de proteção à infância e juventude, ou questões de segurança alimentar, entre outros, que operam em parceria com países lusófonos. Uma investigação em rede que só é possível porque há uma língua comum e uma urgência partilhada.
Ao escolher o português como eixo da internacionalização, a Unesp reconhece que a língua é também uma ferramenta de soberania epistêmica. Afinal, publicar em inglês pode garantir visibilidade, mas pensar em português assegura pertencimento e soberania. Quando pesquisamos na nossa língua, não apenas comunicamos. Cultivamos uma ecologia de ideias que inclui mais vozes, mais realidades e mais soluções.
Para quem estuda hoje em Lisboa, Coimbra ou Braga, e se pergunta qual o próximo passo, a resposta talvez esteja mais ao Sul. Voltar ao Brasil não é retroceder — é progredir e escolher o lugar que você quer estar no futuro. É oferecer ao conhecimento acumulado em Portugal um campo vivo de aplicação e de transformação. É cruzar a ponte atlântica em sentido inverso, agora como protagonista.
Mais do que uma universidade brasileira, ela pode ser a casa futura de uma ciência verdadeiramente lusófona — diversa, cooperativa e comprometida com o mundo real. E o Dia Mundial da Língua Portuguesa é o lembrete de que esse mundo já fala a nossa língua.
*Cesar Martins é doutor e vice-reitor da Universidade Estadual Paulista (UNESP).