Opinião. O medo do desconhecido
Texto: Diogo Batalha
Quando cheguei a Lisboa, decidi viajar para a Itália. E, "decidi" é uma palavra forte. Na verdade, uma amiga iria casar e achei que a melhor forma de chegar aos Alpes italianos seria como se fazia antigamente: dedo para o alto na beira da estrada.
O plano era simples: duas semanas para chegar ao casamento, numa aldeia isolada no norte da Itália, depois da Ponte de Mostizzolo. No verão, o calor alcançava 25 graus - que para quem vem de Aracaju é quase inverno.
A viagem seguiu com perrengues, mas com algo que nem todo viajante imagina: gentilezas inesperadas. Em Barcelona, um rapaz se ofereceu para me levar até Montpellier. Ele estava indo para um festival de marionetes na Alemanha e, no caminho, passaria por lá. Seria uma ótima oportunidade de me deslocar. A caravana onde viajávamos era recheada de bonecos e mamulengos – uma verdadeira exposição ambulante. O trajeto que normalmente demoraria quatro horas se arrastou por oito, até que chegamos à meia-noite.
Sem opções de hospedagem, o rapaz gentilmente me convidou a dormir na própria caravana. Já era tarde da noite quando ele encontrou um lugar para estacionar, numa rua deserta de Montpellier. O silêncio e a solidão do bairro me inquietou, mas ele disse algo simples, mas que até hoje ecoa na minha mente.
Ele disse: "Não se preocupe, amigo. Eles estão com mais medo de nós do que nós estamos deles."
Essa frase me tocou. Eu, um estrangeiro, temendo o desconhecido, e ele, alguém acostumado a viajar por vários países, me lembrando que o medo que sentimos do outro é, muitas vezes, uma projeção do que imaginamos e não da realidade. Essa troca cultural, essa empatia, faz toda a diferença.
Naquele momento, entendi uma coisa: o preconceito é alimentado pela falta de convivência. Aqueles que nunca têm a oportunidade de olhar nos olhos de quem é "diferente", acabam criando imagens distorcidas e baseadas no medo. O imigrante, o estrangeiro, a pessoa que tem outra cor de pele ou um sotaque diferente, não é o vilão de uma história. Ele sente dor e fome como nós, tem as mesmas necessidades, os mesmos medos, os mesmos sonhos.
Um estudo recente da respeitada Fundação Francisco Manuel dos Santos mostrou que a maioria dos portugueses (52%, para ser mais exato) nunca fala ou fala pouco com imigrantes.
Quando recordo desta experiência na van, penso no que vejo hoje: as ideias de quem acredita que os imigrantes são uma ameaça, que precisamos "fechar as portas" para os outros, são construídas a partir desse medo irracional. Mas, por experiência própria, posso garantir: o que há por trás de cada um de nós é muito mais semelhante do que imaginamos. Afinal, somos todos passageiros nesta viagem chamada vida.
E quem sabe, em 2025, possamos começar a entender que não há ninguém que seja um estrangeiro no planeta em que nasceu.
*Diogo Batalha é redator há quase duas décadas (e desde 2015 vive em Portugal). É aracajuano desde que nasceu e detesta que não saibam onde Aracaju fica no mapa. Pai de uma pequena portuguesa, tenta achar palavras para explicar até mesmo o que ainda não consegue compreender.
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