Menino de oito anos foi agredido pela professora com um tapa e uma pancada com um quadro de madeira na cabeça.
Menino de oito anos foi agredido pela professora com um tapa e uma pancada com um quadro de madeira na cabeça.DR

Mais vulneráveis: como a violência nas escolas em Portugal atinge brasileiros

Sistema educacional com “hierarquias de poder” torna alunos imigrantes mais expostos, analisa especialista, mas situações afetam todas as crianças. Para mudar, é preciso olhar para os profissionais.
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A notificação do Ministério Público chegou há poucos dias e trouxe o desfecho oficial que a brasileira Dhiane Lima, residente em Faro, na região do Algarve, esperava. Em abril de 2024, o filho mais velho de Dhiane, de oito anos, foi agredido fisicamente por uma professora, dentro de sala de aula. A docente bateu com um quadro de madeira na cabeça do menino e ainda deu um tapa no rosto dele. “Ela usava um anel em um dos dedos e com a força do tapa cortou por dentro da boca do meu filho”, conta Dhiane ao DN Brasil. Quase um ano depois, o Departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público concluiu que a professora cometeu “um crime de maus tratos”, conforme o despacho ao qual o DN Brasil teve acesso, propondo a suspensão provisória do processo por um período de seis meses, na condição de a docente pagar 600 euros a uma associação que cuida de pessoas com paralisia cerebral em Faro e de apresentar um pedido de desculpas formal à criança, retratando-se dos atos praticados.

Quando denunciou o caso, Dhiane diz que “só queria evitar que se repetisse ou acontecesse a outras crianças”. O despacho do Ministério Público confirma que o menor teve “um traumatismo na zona frontal da testa e lesões no lado esquerdo do maxilar”. A brasileira conta que só soube do que aconteceu pela mãe de um outro aluno e, ao buscar o filho na escola naquele dia, vendo o inchaço na testa da criança, decidiu apresentar uma denúncia junto à Polícia de Segurança Pública (PSP) e também na direção do estabelecimento. “Fiquei sem reação. Na reunião que houve na escola dias depois eu falei, ‘mas por que a senhora fez isso com o meu filho? Se a senhora não tem habilidades pra exercer a tua função, não era pra senhora estar cá’. E ela simplesmente disse ‘me soltou ali a tampa da panela’, foi essa palavra que ela disse, ‘e sentei-lhe o quadro’. Ela lançou o quadro na cabeça dele. E disse que no outro dia deu-lhe uma bofetada na cara, porque ele não sabia responder as questões e abaixava a cabeça”, afirma a brasileira.

Mais vulneráveis

Para a pedagoga brasileira Helena Schimitz, membro da direção da associação Diásporas, que atua com projetos na área das migrações e educação, há uma questão estrutural de violência nas escolas em Portugal, mas crianças brasileiras e demais imigrantes acabam por ter um fator extra de vulnerabilidade e exposição a estas situações. “Nós sabemos que isso acontece com todas as crianças, independente da nacionalidade, mas as crianças e jovens imigrantes são as mais vulneráveis, e toda a comunidade educativa é responsável. Por isso é fundamental que a gente aja em coletivo em diversas frentes. É preciso que haja um acolhimento adequado para essas famílias e para essas crianças”, diz a pedagoga ao DN Brasil.

Despacho do MP confirma "crime de maus tratos" cometido por professora que agrediu menino em sala de aula.
Despacho do MP confirma "crime de maus tratos" cometido por professora que agrediu menino em sala de aula.DR

Segundo a profissional, o problema vai além do momento do ato de violência. Para a especialista, as situações podem se agravar, visto que as famílias migrantes possuem mais dificuldade em acionar mecanismos de proteção. “Quando a gente está falando de processos de imigração, a criança está se adaptando a esse sistema, que é desconhecido para ela, mas os responsáveis por elas também estão no processo de adaptação quanto ao funcionamento do sistema escolar. Essas famílias desconhecem os mecanismos de denúncia, que são desconhecidos por grande parte das famílias nacionais também. A gente precisa urgentemente publicizar esses canais e esses processos, sob pena de, no vazio dessa informação, estar contribuindo para a desproteção dessas crianças e expondo elas ainda mais em situações de vulnerabilidade”, afirma.

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Mudança de cultura

Desde que se mudou para Portugal, quatro anos atrás, a brasileira R. tem enfrentado situações difíceis com o filho mais velho, atualmente com 15 anos, no âmbito escolar. O adolescente já passou por escolas públicas e particulares, mas, segundo a mãe, não existe diferença quando se trata das adaptações necessárias para receber um aluno com as características do filho, que tem transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). “Eles não estão preparados, confundem muito as atitudes. Já fizeram ele passar por muita humilhação. Meu filho sempre teve muita restrição alimentar por causa da medicação e o próprio professor obrigou ele a comer, fez aviãozinho na frente de todo mundo, porque achou que ele não queria comer. E eu já tinha avisado, feito todos os relatórios, é bem complicado. Meu filho teve que terminar os estudos em casa porque deu início de depressão nele”, relata ao DN Brasil.

Para a pedagora Helena Schimitz, a situação revela um outro problema, que é a dificuldade estrutural no sistema educativo de se identificar e nomear os vários tipos de violência existentes, não apenas a física. “Isso é muito comum, a gente ter também violências psicológicas muito presentes, principalmente em um sistema educativo baseado em hierarquias de poder muito estabelecidas. Isso é totalmente prejudicial para o que a gente entende ser um processo educativo de qualidade e saudável. Quando essas lógicas de hierarquia estão presentes são super prejudiciais”, destaca a especialista.

Por isso, Helena reforça a importância dos estabelecimentos de ensino adotarem uma mudança de cultura que também olhe para os profissionais. “O professor precisa de apoio. A gente vê uma comunidade aqui de profissionais de educação que também está desassistida em termos de formação, e de formação de qualidade, pra que consiga identificar isso e que consiga pensar práticas alternativas a essas práticas hierárquicas, em que o professor manda no aluno, já estabelecidas”, afirma.

Projeto Choices for Schools na escola de Cascais.
Projeto Choices for Schools na escola de Cascais.DR

Atualmente, Helena coordena a execução de um projeto pioneiro em Portugal. Criado pela associação Diásporas, o Choice for Schools sensibiliza os profissionais de educação para várias temáticas relacionadas às violências no contexto escolar, e está sendo desenvolvido dentro do programa Escola Promotora dos Direitos das Crianças, da Câmara Municipal de Cascais, numa escola do agrupamento de Alapraia, no município. “A gente transforma conceitos e vivências em reflexões e em práticas pedagógicas que sejam saudáveis nesse contexto”, explica.

O objetivo, segundo a profissional, é fazer com que o tema da violência escolar não seja tratado apenas sob o ponto de vista criminal. “Precisa ser um debate mais amplo, que inclui as práticas pedagógicas inclusive das pessoas, dos adultos responsáveis. Acho que já está mais do que na hora de a gente compreender que os programas de combate às violências nas escolas não podem ser direcionados somente aos estudantes. Porque isso, para além de reforçar essa ideia de que são eles que cometem as violências, também acaba desresponsabilizando a gente enquanto profissional da educação, desse debate e de olhar para as nossas práticas como práticas que contribuem e sustentam esses contextos de violências e conflitos”, diz.

De acordo com o último relatório do Conselho Nacional de Educação, com dados de 2023, o número de alunos estrangeiros em Portugal chegou a 11% do total, são 142.760 crianças e adolescentes imigrantes nos ensinos básico e secundário, com os brasileiros sendo a maioria.

caroline.ribeiro@dn.pt

Reportagem publicada na edição de segunda-feira, 31 de março de 2025, do Diário de Notícias.

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