Luta, resistência e festa: no Blocu, em Lisboa, Carnaval e política andam lado a lado
As pessoas que circularem pela região do Campo de Santa Clara, em Lisboa, na tarde desta segunda-feira de Carnaval (03), poderão presenciar um ambiente que traz a maior celebração da cultura brasileira de uma forma diferente dos blocos que saíram às ruas nos últimos dias. Será ali, na Feira da Ladra, que o Blocu, coletivo que atua em Lisboa desde 2019, fará o seu desfile deste ano trazendo não só a mistura musical que o caracteriza e foge do óbvio, mas também muitas bandeiras de luta.
“A gente tem uma comunidade brasileira importante e considerável em Portugal que move e influencia a cultura daqui e é por isso que o Blocu é mais que um bloco, é uma manifestação: é um espaço para reclamar esse direito de expressar a nossa cultura”, explica em entrevista ao DN Brasil o participante do coletivo Denny Azevedo.
Nascido na cena underground de São Paulo, com o grupo Venga-Venga, o Blocu chegou a Lisboa através das mãos de Denny e de Ricardo Don, que trocaram a capital paulista pela de Portugal há seis anos. Para a dupla, o principal trabalho com o Blocu, coletivo que também faz parte da União dos Blocos de Lisboa, foi o de oficializar o Carnaval enquanto festividade do país, luta engajada pelos brasileiros nos últimos anos.
“Uma vez que a gente tem o Ano Novo Chinês, as festas dos indianos, a cultura ucraniana, a gente também tem a nossa vertente que é muito forte, que flerta com a cidade. O Carnaval, acho que por si só, já tem esse punho manifestativo, político, algo que no Brasil já está institucionalizado. Faz todo o sentido que aqui seja assim também”, conta Ricardo.
No desfile do ano passado, a manifestação do Blocu foi memorável para os participantes do coletivo e o público presente. Também numa segunda-feira de Carnaval, uma forte chuva não foi capaz de esmorecer os foliões, que seguiram o longo percurso até Marvila fieis à festa e as bandeiras do Blocu. “A gente se identifica com um bloco Queer, dessa mistura de todas as possibilidades e de todas as letras do LGBTQIA+. Isso tudo faz parte desse clima libertário do Carnaval, das possibilidades que essa manifestação cultural, tão diversa, nos traz”, reflete Ricardo.
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Por falar em diversidade, além da celebração à cultura Queer, a heterogeneidade musical é uma das mais características do Blocu. Diferentemente da maioria dos blocos, que trazem marchinhas tradicionais de Carnaval, além do samba e pagode, o coletivo criado por Denny e Ricardo, ambos DJ’s, traz uma mistura entre alguns dos principais hits carnavalescos com a música eletrônica, algo que a dupla importou da noite paulistana, principal meio que frequentavam antes da mudança para Portugal.
“Tem muito Axé 90, do Funk 90, do Furacão da 2000, aliado ao que a gente herda do clubbing, que é também o que nós somos. Então podemos dizer que é um Carnaval mais urbano, não temos bateria, às vezes temos músicas cantadas ao vivo, mas normalmente com uma base eletrônica. Mas não estamos falando de techno, house, não é isso: são músicas que fazem parte do repertório de Carnaval”, explica Ricardo.
Apesar do elemento contemporâneo, o Carnaval do Blocu, tem atraído muitos brasileiros que veem ali um dos mais representativos blocos das festividades do país natal. A presença de um trio elétrico, por exemplo, tradicional do Carnaval de Salvador, um dos mais badalados do Brasil, é outro ponto que faz o público que acompanha o bloco até Marvila matar as saudades de casa. “Nós valorizamos muito esses elementos típicos da nossa cultura. Faz com que seja um bloco de música eletrônica muito brasileiro”, diz Denny com alegria, também referindo que muitos estrangeiros ligados a esse tipo de música “adotaram” o Blocu como o bloco de Carnaval lisboeta.
Além de Denny e Ricardo, criadores do Blocu, o coletivo conta ainda com mais cinco imigrantes, Cigarra, Junior Barros, Pose Ativa, Aline Esha e Maximiliano Sarta. Na tarde desta terça-feira, o desfile - ou manifestação - do Blocu seguirá o mesmo percurso do ano passado, terminando em Marvila, onde decorrerá uma after party no Arroz Estúdios às 19h.
Festivo na mesma proporção que é político, o Blocu terá, na hora desta concentração um ato que se tornou tradicional nos últimos anos: um manifesto em defesa da cultura, da diversidade e do Carnaval que também aborda os problemas e traz reivindicações para o lugar onde o coletivo atua: Lisboa.
“É sempre importante lembrar a importância da cultura brasileira e a importância da imigração para o mercado do turismo, hotelaria, da restauração, e de perceber como o Carnaval pode flertar e ser positivo para a cidade. O artista também serve para levantar bandeiras e criar ruído e é isso que queremos fazer. Nosso projeto com associações, como Arroz Estúdios, também não é à toa, são espaços que resistem em meio a gentrificação em Lisboa. Queremos lembrar que a cidade também é dos que resistem”, finaliza Denny.
nuno.tibirica@dn.pt
Este texto está na edição impressa do Diário de Notícias de hoje (03).