Assim foi a atmosfera do Festival Internacional de Literatura da Paraíba (Fliparaíba), que, em três dias, reuniu nomes da lusofonia para falar sobre literatura, mas não só.
Assim foi a atmosfera do Festival Internacional de Literatura da Paraíba (Fliparaíba), que, em três dias, reuniu nomes da lusofonia para falar sobre literatura, mas não só.Foto: João Pedrosa

Fliparaíba: o convívio lusófono que mostra um mundo de união possível

Segunda edição do evento foi realizada em João Pessoa, com mais participação de pessoas da Paraíba. Objetivo é que o festival seja anual e cresça a cada edição.
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Muitos livros, vendedores de água bem gelada, músicas, o calor que faz suar e também aquece o coração. Ciganas circulam com vestidos longos e brilhantes, indígenas carregam orgulhosamente seus cocares e pinturas faciais, quilombolas partilham seus conhecimentos ancestrais com entusiasmo. Outros revelam na pele as marcas do sol típicas de quem mora perto do mar e da areia, enquanto portugueses, portuguesas e pessoas de países africanos convivem com essa múltipla brasilidade. Tudo isso no complexo de antiga igreja que hoje abriga um centro cultural na parte velha da cidade de João Pessoa, na Paraíba.

Assim foi a atmosfera do Festival Internacional de Literatura da Paraíba (Fliparaíba), que, em três dias, reuniu nomes da lusofonia para falar sobre literatura, mas não só. Os temas, inicialmente, parecem não fazer sentido juntos, especialmente pelo formato do evento, repleto de atividades que misturam várias expressões artísticas.

Os assuntos são diversos: democracia, ancestralidade, liberdade, cultura. Quem participa entende que são temas interligados, unidos por um fio condutor poderoso: a língua portuguesa, falada com vários sotaques e sonoridades, em que essas diferenças são vistas como riqueza, e não como um fator de diminuição da cultura ou da intelectualidade do outro.

“O Fliparaíba tornou-se, em apenas três anos, um ponto de encontro vital da língua portuguesa. O público que lotou o Centro Cultural São Francisco mostrou que a Paraíba reconhece na literatura um território simbólico, democrático e urgente”, diz ao DN / DN Brasil o curador José Manuel Diogo, português que vive entre os dois países.

A escolha da curadoria, garantir a presença de pessoas da Paraíba em todas as dez mesas do festival, teve como proposta valorizar a riqueza literária da terra que abriga e promove o evento. “A comunidade intelectual da Paraíba aderiu plenamente ao modelo que propusemos na Associação Brasil Portugal 200 anos: mesas que cruzam vozes locais, nacionais e internacionais; temas que refletem as urgências brasileiras e lusófonas; e uma programação que articula leitura, oralidade e democracia cultural. O resultado é um festival robusto, contemporâneo e necessário”, resume.

O tema central “nossa terra, nossa gente”, segundo o curador, "ganhou corpo, voz e futuro com o diálogo entre autores e autoras da Paraíba, do Brasil, de Portugal e de África". José Manuel Diogo também lançou na feira o livro Festa da Sede, inspirado em uma viagem pelo interior da Paraíba.

E foi justamente do interior da Paraíba que vieram alguns dos nomes que enriqueceram o evento, não só com livros, mas também com danças indígenas e ciganas, com o ensino da xilogravura para crianças e adultos, e com horas de conversa sobre democracia e ancestralidade. Como canta Marcelo D2 no álbum Iboru: “para fazer o futuro, precisamos resgatar o passado”, uma lógica que orienta boa parte das reflexões do festival.

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Como em qualquer festival literário, é também o momento de pensar sobre os mundos possíveis que podem ser criados na literatura e que inspiram a vida real. “Este é um festival de sutilezas”, definiu Pedro Santos, secretário estadual da Cultura da Paraíba, referindo-se à mistura e pluralidade das atividades.

A expressiva participação do público nas mesas revela o interesse em ouvir quem escreve. Uma das conversas, “Mulheres que fundam mundos — O mundo nasce do corpo”, reuniu escritoras de três países diferentes: Andrea Nunes, de Recife; Inês Pedrosa, de Portugal; e Odete Semedo, da Guiné-Bissau. Elas falaram sobre suas obras, atravessadas pelo conhecimento das diversas formas de violência que as mulheres sofrem em seus países e no mundo, e sobre como a literatura, em todo o seu processo, da investigação à publicação, pode ajudar a melhorar o mundo.

Os lançamentos dos mais de 150 livros mostram que o gosto pela leitura está vivo. Além das novidades, muitas obras já conhecidas circularam, como a trilogia do escritor baiano Itamar Vieira Junior, um dos participantes das mesas. Ele passou quase três horas autografando seus livros. A fila entrava prédio adentro e contornava o espaço que, ao longo dos séculos, abrigou missas católicas e, hoje, celebra a pluralidade.

A revitalização dessa igreja, que sedia o evento pela segunda vez, é exemplo de uma transformação recente na cidade. João Pessoa tem restaurado cada vez mais prédios históricos para transformá-los em espaços comunitários, mantendo seus traços tradicionais e dando-lhes novas finalidades culturais, explicou o governador João Azevêdo.

Na solenidade de abertura, ele destacou que receber “pensadores e pensadoras do mundo todo” engrandece a cidade. Também reforçou a importância da discussão sobre democracia, um dos temas centrais do festival, que, em sua visão, “não pode ser enfraquecida”; o investimento em cultura, disse ele, é uma das formas essenciais de fortalecê-la.

Para 2026, a previsão é que João Pessoa volte a ser a capital lusófona da literatura, discutindo temas essenciais da sociedade e celebrando a língua portuguesa em todas as suas formas, sem preconceitos, como uma utopia necessária para os tempos em que vivemos.

amanda.lima@dn.pt

*A jornalista viajou a convite do Fliparaíba.

O DN Brasil é uma seção do Diário de Notícias dedicada à comunidade brasileira que vive ou pretende viver em Portugal. Os textos são escritos em português do Brasil.
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